Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 272-314, set.-dez., 2019  276 TOMO 1 século XX, aliada à emergência do paradigma neoconstitucionalista 4 – que encerra o reconhecimento de uma normatividade reforçada aos princípios e às normas abertas –, bem como o aumento da importância da função judicial e a aceitação de sua dimensão criativa, teve como um dos efeitos a progressiva atenção ao problema da inconstitucionalidade por omissão. O conceito legiscêntrico de inconstitucionalidade é produto do seu processo de construção histórica. Inicialmente, a categoria se insere em um contexto de afirmação da Constituição diante da lei. Nesse sentido, a inconstitucionalidade surge como fórmula relacionada à passagem do modelo de soberania do Parlamento – em que a lei era o centro do orde- namento jurídico – ao da supremacia da Constituição, o que é operacio- nalizado através do judicial review of legislation . Isso explica que a teorização sobre o controle de constitucionalidade, pensada à luz do sempre mencio- nado precedente da Suprema Corte norte-americana Marbury v. Madison , adotasse como premissa genérica uma relação de incompatibilidade entre a Constituição e a lei. Superado esse panorama histórico e pacificada a ideia de suprema- cia constitucional, opera-se um alargamento do conceito e das finalidades da Constituição. Ela não se resume ao ápice de uma pirâmide normativa autossuficiente, mas passa a ser entendida como um documento com múl- tiplos campos de irradiação, conformando o agir dos agentes públicos e da sociedade como um todo 5 . Essa assunção de novas tarefas impõe uma 4 A expressão neoconstitucionalismo tem sido empregada no vocabulário acadêmico nacional para designar as estruturas ins- titucionais, teóricas e interpretativas que emergiram a partir das mudanças de paradigma do Direito na segunda metade do século XX. Em termos amplos, a expressão neoconstitucionalismo passou a ser associada à constitucionalização abrangente, ao fortalecimento da função judicial e ao emprego de métodos de interpretação antiformalistas. Sobre o tema, confira-se: SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo. (Orgs.). As Novas Faces do Ativismo Judicial. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 73-113; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, 2005, p. 1-42; CARBONELL, Miguel (Ed.). Neoconstitucoinalismo(s). Madrid: Editorial Trota, 2003. 5 A teoria e a jurisprudência constitucional germânica contribuíram intensamente para essa mudança de paradigma. Com efeito, do afamado aresto Lüth a Corte Constitucional alemã desenvolveu a ideia de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais, da qual deflui um efeito de irradiação destes direitos sobre todo o sistema e sobre todos os ramos do direito — administrativo, civil, comercial, penal... —, bem como exprime a vinculação das três funções do Estado — judiciária, administrativa e legislativa — aos comandos constitucionais. Desse efeito resulta, muitas vezes, a impossibilidade de determinar de forma nítida as fronteiras que separam o direito ordinário e o direito constitucional. Dele advém, ainda, a ideia de que os direitos fundamentais vinculam não apenas os poderes públicos, mas também os particulares. Neste sentido, v. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais . Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 431-497; SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 . Coimbra: Almedina, 2001;

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