Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 241-271, set.-dez., 2019  258 TOMO 1 Jacques Faget 74 observa que essa dinâmica conduz a mediação a dois modos de existência paralela. Uma primeira, que lhe confere uma concepção mais prescritiva do que normativa. Na maioria das vezes, essa perspectiva é criticada, pois gera um sentimento de insegurança devido à ausência de regulamentos e da supervisão de um juiz (Estado). E uma segunda, que se estabelece à sombra de uma existência ofi- cial, a qual desloca a mediação para uma realidade diferente, mas que lhe confere posição de legitimidade, garantindo-lhe maior aceitabilidade. A mediação, assim, passa a ter duas existências, ou double vie , uma mais legítima que a outra. Uma das principais razões para esse fenômeno reside na dificuldade de construção de uma problematização científica sobre esses mecanismos. A mediação é uma ferramenta útil – não há discordância relevante quanto a essa ideia –, mas, ao aproximá-la do processo, o afastamento da sua essência 75 é inconteste. 76 As expectativas quanto à jurisdicionalização da mediação são va- riadas, e as perspectivas quanto aos resultados para os cidadãos e para a justiça brasileira ainda se encontram em estágio latente. De fato, já foi assentado em sede doutrinária o ceticismo de muitos juízes com o julgamento por meio de uma decisão imposta. Por outro lado, as vantagens de uma decisão acordada são inúmeras e irrefutáveis, como aponta Judith Resnik. 77 74 FAGET, Jacques. La double vie de la médiation. Revue Droit et Société, Paris, n. 29, p. 26, 1995. 75 De acordo com Marco Bouchard e Giovanni Mierolo, é preciso preservar a “ambivalência da mediação” que impõe ao sistema judiciário maior flexibilidade, recuperando um contexto colateral de informalidade das relações humanas e da sua real consistência emotiva. Dessa forma, o sistema judiciário propõe a recuperação do consenso dos interessados ao estabelecer o seu destino processual. BOUCHARD, Marco; MIEROLO, Giovanni. Offesa e riparazione. Per una nuova giustizia attraverso la mediazione. Milano: Bruno Mondadori, 2005. p. 197. 76 Etienne Le Roy pontua que os principais temas recorrentes nas definições da mediação são de origem jurídica ou detêm forte conotação jurídica: “autoridade, autonomia, responsabilidade, imparcialidade, independência, poder de decisão ou consultivo, prevenção ou regulamentação”. Na mediação, esses tópicos devem aparecer necessariamente associados a uma ideia dominante de justiça. Le Roy afirma que “essa aproximação, geralmente, é aceita pelos práticos. No entanto, pode-se notar que tal interpretação não reconduz à essência da mediação. [...] a mediação não é justiça, nem mesmo de forma ame- na”. LE ROY, Ethiene. O lugar da juridicidade na mediação. Meritum, Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 297-301, jul.-dez. 2012. 77 “For those forms of ADR that are focused on settlement, three assumptions result in efficiency: first, settlements by parties are voluntary; second, the parties have better information than adjudicators; third, with information and volition, parties have the control to achieve outcomes that are better than those imposed by adjudicators. Settlement-oriented ADR thus becomes a more efficient way to resolve disputes than adjudication. (...) Consent is also assumed to have benefits beyond the immediate resolution of the problem. The premise is that if parties agree to and craft a resolution, long term compliance will result. Indeed, for some ADR proponents, volition is so central to ADR that ADR is at risk if it becomes a mandatory part of the state’s apparatus”. RESNIK, Judith. Many doors? Closing doors? Alternative dispute

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