Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
25 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019 TOMO 1 Iluminismo designa um abrangente movimento filosófico que revo- lucionou o mundo das ideias ao longo do século XVIII 45 . As Lumières , na França, o Enlightment , na Inglaterra, o Illuminismo na Itália ou Aufklärung , na Alemanha, foram o ponto culminante de um ciclo histórico iniciado com o Renascimento, no século XIV, e que teve como marcos a Reforma Protes- tante, a formação dos Estados nacionais, a chegada dos europeus à América e a Revolução Científica. A razão passa para o centro do sistema de pensa- mento, dissociando-se da fé e dos dogmas da teologia cristã. Nesse ambien- te, cresce o ideal de conhecimento e de liberdade, com a difusão de valores como a limitação do poder, a tolerância religiosa, a existência de direitos naturais inalienáveis e o emprego do método científico, entre outros. Estava aberto o caminho para as revoluções liberais, que viriam logo adiante, e para a democracia, que viria bem mais à frente, já na virada do século XX. Histo- ricamente, portanto, o Iluminismo é uma ideia associada à razão humanista, a direitos inalienáveis da condição humana, à tolerância, ao conhecimento científico, à separação entre Estado e religião e ao avanço da história rumo à emancipação intelectual, social e moral das pessoas. É nesse sentido que o termo é empregado neste tópico: o de uma razão humanista que conduz o processo civilizatório e empurra a história na direção do progresso social e da liberação de mulheres e homens. Para espancar qualquer maledicência quanto a uma visão autoritária ou aristo- crática da vida, Iluminismo, no presente contexto, não guarda qualquer semelhança com uma postura análoga ao despotismo esclarecido 46 ou aos reis fi- lósofos de Platão. 47 A analogia mais próxima, eventualmente, seria com uma 45 Além da Encyclopédie , com seus 35 e volumes, coordenada por Diderot e D’Alambert e publicada entre 1751 a 1772, foram autores e obras marcantes do Iluminismo: Montesquieu, O espírito das leis (1748), Jean-Jacques Rousseau, Discurso sobre a desigualdade (1754) e O contrato social (1762); Voltaire, Dicionario filosófico (1764); Immanuel Kant, O que é Iluminismo (1784); John Locke, Dois tratados de governo , (1689); David Hume, Tratado sobre a natureza humana (1739); Adam Smith, A riqueza das nações (1776) e Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas (1764), em meio a outros. 46 A expressão se refere aos monarcas absolutos que, na segunda metade do século XVIII, procuraram incorporar ao seu governo algumas ideias advindas do Iluminismo, distinguido-se, assim, do modelo tradicional. A ideia de contrato social começa a superar a de direito divino dos reis, mas o poder remanesceria com o monarca, que teria maior capacidade de determinar e de realizar o melhor interesse dos seus súditos. Exemplos frequentemente citados são os de Frederico, o Grande, que governou a Prússia de 1740 a 1786; Catarina II, imperatriz da Rússia de 1762 a 1796; e José II, de Habsburgo, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Também se inclui nesta lista o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. V. o verbete Enlightened despotism , in E ncyclopedia of the E nlightenment ( Alan Charles Kors ed., Oxford University Press, 2005). 47 V. Platão, A República , 2015 (a edição original é de cerca de 380 a.C), Livro VI. Na sociedade ideal e justa, cujo deli- neamento procurou traçar nesta obra, Platão defendeu a ideia de que o governo deveria ser conduzido por reis-filósofos, escolhidos com base na virtude e no conhecimento. No comentário de Fredeick Copleston, A history of Philosophy , v. I, 1993, p. 230: “O princípio democrático de governo é, de acordo com Platão, absurdo: o governante deve governar em virtude do conhecimento, e este conhecimento há de ser o conhecimento da verdade”.
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