Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019 24 TOMO 1 tigo do Código Penal que criminalizava a difamação, com pena de até dois anos de prisão 41 . A decisão foi tida como um relevante avanço na proteção da liberdade de expressão dos quenianos, já que a disposição penal era fre- quentemente utilizada por políticos e autoridades públicas para silenciar críticas e denúncias de corrupção veiculadas por jornalistas ou mesmo por cidadãos comuns. No Canadá, a Suprema Corte reconheceu, em 1988, o direito fundamental ao aborto, invalidando dispositivo do Código Penal que criminalizava o procedimento 42 . Seu caráter representativo é eviden- ciado por pesquisas de opinião que apontavam que, já em 1982 ( i.e., 6 anos antes da decisão), mais de 75% da população canadense entendia que o aborto era uma questão de escolha pessoal da mulher 43 . 3. O papel iluminista Além do papel representativo, descrito no tópico anterior, supremas cortes desempenham, ocasionalmente, um papel iluminista. Trata-se de uma competência perigosa, a ser exercida com grande parcimônia, pelo risco democrático que ela representa e para que cortes constitucionais não se transformem em instâncias hegemônicas. Ao longo da história, alguns avanços imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome da razão, contra o senso comum, as leis vigentes e a vontade majoritária da sociedade 44 . A abolição da escravidão ou a proteção de mulheres, negros, homosse- xuais, transgêneros e minorias religiosas, por exemplo, nem sempre pôde ser feita adequadamente pelos mecanismos tradicionais de canalização de reinvindicações sociais. A seguir, breve justificativa do emprego do termo iluminista no contexto aqui retratado. 41 Corte Superior do Kenya, Jacqueline Okuta & another v Attorney General & 2 others [2017] eKLR, Disponível em: < http:// kenyalaw.org/caselaw/cases/view/130781/ >. 42 Suprema Corte do Canadá, Morgentaler, Smoling and Scott v. The Queen , [1988] 1 S.C.R. 30. Disponível em: <https://scc-csc. lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/1053/index.do >. 43Disponível em: <http://www.nytimes.com/1982/12/13/world/canadian-doctor-campaigns-for-national-abortion- clinics.html> 44 Contra a ideia de que Cortes possam atuar como instrumento da razão, v. Steven D. Smith, Judicial activism and “reason”. In Luís Pereira Coutinho, Massimo La Torre e Steven D. Smith (eds.), Judicial activism: an interdisciplinary ap- proach to the American and European Experiences, 2015, p. 30: “And thus judicial discourse, once it is detached from the mundane conventions of reading texts and precedents in accordance with their natural or commonsensical meanings, loftily aspires to be the realization of “reason” but instead ends up degenerating into a discourse of mean-spirited deni- gration”. O texto manifesta grande inconformismo contra a decisão da Suprema Corte em United States v. Windsor (133 S. Ct. 1675, 2013), que considerou inconstitucional a seção do Defense of Marriage Act (DOMA) que limitava o casamento à união entre homem e mulher.
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