Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 236-240, set.-dez., 2019 238 TOMO 1 portanto, em termos apriorísticos, nem supremacia geral em favor do Esta- do, nem sujeição geral em desfavor dos particulares, mas um plexo dúctil de conformações possíveis entre direitos individuais e metas coletivas, que fazem das funções administrativas um variado instrumental a serviço da realiza- ção coordenada da democracia e dos direitos fundamentais. A invocação da supremacia do interesse público sobre os interesses particula- res constitui-se, portanto, em recurso retórico inapto, em qualquer Estado democrático de direito, para equacionar adequadamente as distintas situa- ções que envolvem as dimensões individuais e transindividuais da existên- cia humana. Com efeito, há três razões básicas que evidenciam a visceral incompatibilidade da noção de supremacia do interesse público com o constitucionalismo democrático: (i) a proteção de posições jurídicas individuais irredutíveis, iden- tificadas, de modo geral, com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e, particularmente, da dignidade da pessoa humana; (ii) a primazia prima facie dos direitos fundamentais sobre metas ou aspirações coletivas, ainda quando admitida a ponderação proporcional pela sistemática constitucional; (iii) a polivalência da ideia de interesse público, que pode abar- car, em seu conteúdo semântico, tanto a preservação de direi- tos individuais como a persecução de objetivos transindividu- ais, que, de resto, se encontram invariavelmente conjugados ou imbricados. Portanto, não há sentido útil em aludir-se abstrata- mente à supremacia do interesse coletivo sobre o individual ou do público sobre o privado. Cumpre examinar exemplos práticos que submetam as três razões acima a um teste de validade argumentativa. Quanto ao item (i) , é possível figurar um exemplo extraído da temá- tica das desapropriações, cujo fundamento é associado, invariavelmente, à ideia de supremacia do interesse coletivo sobre os interesses individuais. A Constituição da República estabelece, no art. 184, a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não este- ja cumprindo a sua função social. Logo no art. 185, todavia, o constituinte declara insuscet veis de desapropriação para fins de reforma agrária : (I) a pequena
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