Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

237  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 236-240, set.-dez., 2019  TOMO 1 II. Ainda a supremacia do interesse público O Direito Administrativo é tradicionalmente explicado a partir da precedência da sociedade sobre o indivíduo, do público sobre o privado, ou da autodeterminação coletiva sobre a autodeterminação individual. Categorias como a supremacia geral do Estado sobre os cidadãos, ou a sujei- ção geral destes àquele, são tributárias de concepções coletivistas, costumei- ramente aceitas de maneira acrítica por força da tradição, de preferências ideológicas e – desconfio até – por certa preguiça mental. A tensão entre soberania popular (autonomia pública) e direitos in- dividuais (autonomia privada) é resolvida pela filosofia política de duas formas distintas: de um lado, correntes derivadas do republicanismo e do co- munitarismo dão primazia à autonomia pública e ao processo de deliberação coletiva para a definição do conteúdo dos direitos; de outro lado, correntes do liberalismo conferem precedência à autonomia privada e ao reconheci- mento de direitos anteriores à etapa da deliberação democrática. O proble- ma da primeira linha de pensamento é o risco da instrumentalização e do esvaziamento dos direitos individuais pela onipotência da coletividade; o da segunda é o apelo a concepções morais metafísicas ou solipsistas para legitimar direitos individuais pré-políticos. A bem dizer, democracia e direitos fundamentais são elementos cooriginariamente constitutivos e legitimadores do Estado democrático de direito. Isso significa que existe uma equiprimordialidade entre as autono- mias pública e privada, eis que elas guardam entre si uma relação de mútua pressuposição. Em outras palavras, o exercício da autonomia pública pres- supõe cidadãos emancipados por direitos fundamentais que lhes confiram autonomia; mas os contornos de tais direitos estão atrelados à constituição de um procedimento deliberativo por cidadãos independentes. Democra- cia e direitos fundamentais estão, portanto, coimplicados , na medida em que se relacionam de maneira dinâmica e maleável, exibindo conteúdos que se constituem reciprocamente. As funções da Administração Pública são habilitadas e delimitadas, a um só tempo, pela necessidade de estruturação interna do sistema de direi- tos fundamentais – cuja consistência como sistema exige restrições que os limitem e os viabilizem, simultaneamente – e de conformação desses direitos à luz de objetivos coletivos , sob a forma da deliberação democrática. Não há,

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