Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
21 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019 TOMO 1 Cabe fazer duas observações adicionais. A primeira delas é de caráter terminológico. Se se admite a tese de que os órgãos represen- tativos podem não refletir a vontade majoritária, decisão judicial que infirme um ato do Congresso pode não ser contramajoritária. O que ela será, invariavelmente, é contralegislativa, ou contracongressual ou contraparlamentar. A segunda observação é que o fato de não estarem sujeitas a certas vicissitudes que acometem os dois ramos políticos dos Poderes não é, naturalmente, garantia de que as supremas cortes se inclinarão em favor das posições majoritárias da sociedade. A verdade, no entanto, é que uma observação atenta da realidade revela que é isso mesmo o que acontece. Nos Estados Unidos, décadas de estudos em- píricos demonstram o ponto 28 . A esse propósito, é bem de ver que algumas decisões emblemáticas da Suprema Corte americana tiveram uma dimensão claramente representativa a legitimá-las. Uma delas foi Griswold v. Connecticut , 29 profe- rida em 1965, que considerou inconstitucional lei do Estado de Connec- ticut que proibia o uso de contraceptivos mesmo por casais casados. Ao reconhecer um direito de privacidade que não vinha expresso na Constituição, mas podia ser extraído das “penumbras” e “emanações” de outros direitos constitucionais, a Corte parece ter tido uma atuação que expressava o sen- timento majoritário da época. Assim, embora a terminologia tradicional rotule essa decisão como contramajoritária – na medida em que invalidou uma lei estadual (o Connecticut Comstock Act , de 1879) –, ela era, segura- mente, contra-legislativa , mas provavelmente não contramajoritária. Embora não haja dados totalmente seguros nem pesquisas de opinião do período, é possível intuir que a lei não expressava o sentimento majoritário em meados da década de 60 30 – cenário da revolução sexual e do movimento feminista –, de modo que a decisão foi, na verdade, representativa . 28 Corinna Barret Lain, Upside-down judicial review, The Georgetown Law Review 101: 113, 2012-2103, p. 158. V. tb. Robert A. Dahl, Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker, Journal of Public Law 6: 279, 1957, p. 285; e Jeffrey Rosen, The most democratic branch: how the courts serve America, 2006, p. xii: “Longe de proteger as minorias contra a tirania das maiorias ou contrabalançar a vontade do povo, os tribunais, ao longo da maior parte da história americana, têm se inclinado por refletir a visão constitucional das maiorias”. V. tb. Robert McCloskey, The American Supreme Court , 1994, p. 209: “We might come closer to the truth if we said that the judges have often agreed with the main current of public senti- ment because they were themselves part of that current, and not because they feared to disagree with it.” 29 381 U.S. 479 (1965) 30 V. Jill Lepore, To have and to hold: reproduction, marriage, and the Constitution. The New Yorker Magazine , 25 mai. 2015: “Banir contracpetivos numa época em que a esmagadora maioria dos americanos os utilizava era, evidentemente, ridículo”. ( “Banning contraception at a time when the overwhelming majority of Americans used it was, of course, ridiculous” ). A decisão em Griswold veio a ser estendida em Eisenstadt v. Baird, julgado em 1972, aos casais não casados.
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