Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

19  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019  TOMO 1 dificuldades da representação política. Da Escandinávia às Américas, um misto de ceticismo, indiferença e insatisfação assinala a relação da socieda- de civil com a classe política. Nos países em que o voto não é obrigatório, os índices de abstenção revelam o desinteresse geral. Em países de voto obrigatório, um percentual muito baixo de eleitores é capaz de se recordar em quem votou nas últimas eleições parlamentares. Há problemas associa- dos (i) a falhas do sistema eleitoral e partidário, (ii) às minorias partidárias que funcionam como veto players 23 , obstruindo o processamento da vonta- de da própria maioria parlamentar e (iii) à captura eventual por interesses especiais. A doutrina, que antes se interessava pelo tema da dificuldade contramajoritária dos tribunais constitucionais, começa a voltar atenção para o déficit democrático da representação política 24 . Esta crise de legitimidade, representatividade e funcionalidade dos parlamentos gerou, como primeira consequência, em diferentes partes do mundo, um fortalecimento do Poder Executivo 25 . Nos últimos anos, porém, em muitos países, tem-se verificado uma expansão do Poder Ju- diciário e, notadamente, das supremas cortes. Nos Estados Unidos, esse processo teve mais visibilidade durante o período da Corte Warren, mas a verdade é que nunca refluiu inteiramente. Apenas houve uma mudança de equilíbrio entre liberais e conservadores. O ponto aqui enfatizado é que, em certos contextos, por paradoxal que pareça, cortes acabem sendo mais representativas dos anseios e demandas sociais do que as instâncias políti- cas tradicionais. Algumas razões contribuem para isso. A primeira delas é o modo como juízes são indicados. Em diversos países, a seleção se dá por concurso público, com ênfase, portanto, na qualificação técnica, sem in- 23 Veto players são atores individuais ou coletivos com capacidade de parar o jogo ou impedir o avanço de uma agenda. Para um estudo aprofundado do tema, v. George Tsebelis, Veto players: how political institutions work. Princeton, NJ: Princeton Univesity Press, 2002. Em língua portuguesa, v. Pedro Abramovay, Separação de Poderes e medidas provisórias , 2012, p. 44 e s. 24 V., e.g. , Mark A. Graber, The countermajoritarian difficulty: from courts to Congress to constitutional order, Annual Review of Law and Social Science 4: 361-62 (2008). Em meu texto Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil, Revista de Direito Administrativo 240: 1, 2005, p. 41, escrevi: “Cidadão é diferente de eleitor; governo do povo não é governo do eleitorado. No geral, o processo político majoritário se move por interesses, ao passo que a lógica democrática se inspira em valores. E, muitas vezes, só restará o Judiciário para preservá-los. O deficit democrático do Judiciário, decorrente da dificuldade contramajoritária, não é necessariamente maior que o do Legislativo, cuja composição pode estar afetada por disfunções diversas, dentre as quais o uso da máquina administrativa, o abuso do poder econômico, a manipulação dos meios de comunicação”. 25 Esta concentração de poderes no Executivo se deu até mesmo em democracias tradicionais e consolidadas, do que é exemplo a Constituição da 5ª República francesa, que retirou poderes da Assembleia Nacional e transferiu para um presi- dente eleito. V. C. Neal Tate e Torbjörn Vallinder (eds.), The global expansion of judicial power , 1995, p. 519.

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