Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019  18 TOMO 1 se limita ao momento do voto periódico, mas é feita de um debate público contínuo que deve acompanhar as decisões políticas relevantes. O prota- gonista da democracia deliberativa é a sociedade civil, em suas diferentes instâncias, que incluem o movimento social, imprensa, universidades, sin- dicatos, associações e cidadãos comuns. Embora o oferecimento de razões também possa ser associado aos Poderes Legislativo 20 e Executivo, o fato é que eles são, essencialmente, o locus da vontade, da decisão política. No universo do oferecimento de razões, merecem destaque os órgãos do Po- der Judiciário: a motivação e a argumentação constituem matéria prima da sua atuação e fatores de legitimação das decisões judiciais. Por isso, não deve causar estranheza que a Suprema Corte, por exceção e nunca como regra geral, funcione como intérprete do sentimento social. Em suma: o voto, embora imprescindível, não é a fonte exclusiva da democracia e, em certos casos, pode não ser suficiente para concretizá-la. À luz do que se vem de afirmar, é fora de dúvida que o modelo tradicional de separação de Poderes, concebido no século XIX e que sobreviveu ao século XX, já não dá conta de justificar, em toda a exten- são, a estrutura e funcionamento do constitucionalismo contemporâneo. Para utilizar um lugar comum, parodiando Antonio Gramsci, vivemos um momento em que o velho já morreu e novo ainda não nasceu 21 . A doutrina da dificuldade contramajoritária, estudada anteriormente, assenta-se na premissa de que as decisões dos órgãos eletivos, como o Congresso Nacional, seriam sempre expressão da vontade majoritária. E que, ao revés, as decisões proferidas por uma corte suprema, cujos membros não são eleitos, jamais seriam. Qualquer estudo empírico de- sacreditaria as duas proposições. Por numerosas razões, o Legislativo nem sempre expressa o sen- timento da maioria 22 . De fato, há muitas décadas, em todo o mundo de- mocrático, é recorrente o discurso acerca da crise dos parlamentos e das 20 V. Ana Paula de Barcellos, Direitos fundamentais e direito à justificativa: devido procedimento na elaboração normativa, 2016. 21 Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere , 1926-1937. Disponível, na versão em espanhol, em http://pt.scribd.com/ doc/63460598/Gramsci-Antonio-Cuadernos-de-La-Carcel-Tomo-1-OCR: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. V. tb., entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/24025-%60%60o-velho- mundo-esta-morrendo-mas-o-novo-ainda-nao-nasceu%60%60-entrevista-com-zigmunt-bauman. 22 Sobre o tema, v. Corinna Barret Lain, Upside-down judicial review, The Georgetown Law Review 101: 113, 2012-2103. V. tb. Michael J. Klarman, The majoritarian judicial review: the entrenchment problem, The Georgetown Law Journal 85: 49, 1996-1997.

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