Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019 16 TOMO 1 Um desses valores fundamentais é o direito de cada indivíduo a igual respeito e consideração 12 , isto é, a ser tratado com a mesma dignida- de dos demais – o que inclui ter os seus interesses e opiniões levados em conta. A democracia, portanto, para além da dimensão procedimental de ser o governo da maioria, possui igualmente uma dimensão substantiva, que inclui igualdade, liberdade e justiça. É isso que a transforma, verda- deiramente, em um projeto coletivo de autogoverno, em que ninguém é deliberadamente deixado para trás. Mais do que o direito de participação igualitária, democracia significa que os vencidos no processo político, as- sim como os segmentos minoritários em geral, não estão desamparados e entregues à própria sorte. Justamente ao contrário, conservam a sua condição de membros igualmente dignos da comunidade política 13 . Em quase todo o mundo, o guardião dessas promessas 14 é a suprema corte ou o tribunal constitucional, por sua capacidade de ser um fórum de princípios 15 – isto é, de valores constitucionais, e não de política – e de razão pública – isto é, de argumentos que possam ser aceitos por todos os envolvidos no debate 16 . Seus membros não dependem do processo eleitoral e suas decisões têm de fornecer argumentos normativos e ra- cionais que a suportem. Esse papel contramajoritário é normalmente exercido pelas supre- mas cortes com razoável parcimônia. De fato, nas situações em que não estejam em jogo direitos fundamentais e os pressupostos da democracia, a Corte deve ser deferente para com a liberdade de conformação do le- gislador e a razoável discricionariedade do administrador. Nos Estados 12 Ronald Dworkin, Taking rights seriously , 1997, p. 181. A primeira edição é de 1977. 13 V. Eduardo Mendonça, A democracia das massas e a democracia das pessoas: uma reflexão sobre a dificuldade contramajori- tária, tese de doutorado, UERJ, mimeografada, 2014, p. 84. 14 A expressão consta do título do livro de Antoine Garapon, O juiz e a democracia: o guardião das promessas, 1999. 15 V. Ronald Dworkin, A matter of principle , 1985, p. 69-71. “O controle de constitucionalidade judicial assegura que as questões mais fundamentais de moralidade política serão apresentadas e debatidas como questões de princípio, e não apenas de poder político. Essa é uma transformação que não poderá jamais ser integralmente bem-sucedida apenas no âmbito do Legislativo”. 16 John Rawls, Political liberalism , 1996, p. 212 e s., especialmente p. 231-40. Nas suas próprias palavras: “(A razão pública) se aplica também, e de forma especial, ao Judiciário e, acima de tudo, à suprema corte, onde haja uma democracia constitu- cional com controle de constitucionalidade. Isso porque os Ministros têm que explicar e justificar suas decisões, baseadas na sua compreensão da Constituição e das leis e precedentes relevantes. Como os atos do Legislativo e do Executivo não precisam ser justificados dessa forma, o papel especial da Corte a torna um caso exemplar de razão pública”. Para uma crítica da visão de Rawls, v. Jeremy Waldron, Public reason and ‘justification’ in the courtroom, Journal of Law, Philosophy and Culture 1: 108, 2007.
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