Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

15  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 11-35, set.-dez., 2019  TOMO 1 líticos investidos de mandato representativo e legitimidade democrática. A essa circunstância, que gera uma aparente incongruência no âmbito de um Estado democrático, a teoria constitucional deu o apelido de “dificuldade contramajoritária” 6 . A despeito de resistências teóricas pontuais 7 , esse papel contra- majoritário do controle judicial de constitucionalidade tornou-se quase universalmente aceito. A legitimidade democrática da jurisdição consti- tucional tem sido assentada com base em dois fundamentos principais: a) a proteção dos direitos fundamentais, que correspondem ao mínimo ético e à reserva de justiça de uma comunidade política 8 , insuscetíveis de serem atropelados por deliberação política majoritária; e b) a proteção das regras do jogo democrático e dos canais de participação política de to- dos 9 . A maior parte dos países do mundo confere ao Judiciário e, mais particularmente à sua suprema corte ou corte constitucional, o status de sentinela contra o risco da tirania das maiorias 10 . Evita-se, assim, que pos- sam deturpar o processo democrático ou oprimir as minorias. Há razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais. A imagem frequentemente utilizada para justificar a legiti- midade da jurisdição constitucional é extraída do Canto XIV da Odisseia, de Homero: para evitar a tentação do canto das sereias, que levava as em- barcações a se chocarem contra os recifes, Ulysses mandou colocar cera nos ouvidos dos marinheiros que remavam e fez-se amarrar ao mastro da embarcação 11 . Sempre me fascinou o fato de que ele evitou o risco sem se privar do prazer. 6 A expressão se tornou clássica a partir da obra de Alexander Bickel, The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics, 1986, p. 16 e s. A primeira edição do livro é de 1962. 7 E.g., Jeremy Waldron, The core of the case against judicial review. The Yale Law Journal 115: 1346, 2006; Mark Tushnet, Taking the Constitution away from the courts , 2000; e Larry Kramer, The people themselves: popular constitutionalism and judicial review, 2004. 8 A equiparação entre direitos humanos e reserva mínima de justiça é feita por Robert Alexy em diversos de seus trabalhos. V., e.g. , La institucionalización de la justicia , 2005, p. 76. 9 Para esta visão processualista do papel da jurisdição constitucional, v. John Hart Ely, Democracy and distrust , 1980. 10 A expressão foi utilizada por John Stuart Mill, On Liberty , 1874, p. 13: “A tirania da maioria é agora geralmente incluída entre os males contra os quais a sociedade precisa ser protegida (...)”. 11 V., e.g. , John Elster, Ulysses and the sirens , 1979.

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