Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 87-120, set.-dez., 2019 106 TOMO 1 O sistema prisional brasileiro está em colapso e as penas privati- vas de liberdade são sistematicamente cumpridas em condições degradantes, como se afirmou tantas vezes nesta peça. Esta é uma realidade que não pode ser ignorada na aplicação das nor- mas penais. […] Na hipótese, a consideração da realidade carcerária impõe aos juízes que, na aplicação da pena, deem absoluta preferência às sanções alternativas à prisão. Afinal, por imperativo constitu- cional cumpre evitar a submissão de pessoas a tratamentos de- sumanos e degradantes – e é isso que quase sempre ocorre nos estabelecimentos prisionais brasileiros. Se, no presente cenário, enviar uma pessoa para a prisão é submetê-la muito provavel- mente a tratamento que viola a sua dignidade, e não apenas a restrições juridicamente autorizadas à sua liberdade, o Estado não deve fazê-lo, a não ser em casos excepcionais, e sempre pelo mínimo de tempo necessário. Mas não é só. Como se sabe, a lei penal comina em abstrato as penas mínima e máxima para cada infração criminal, partindo de uma premissa implícita: supõe-se que as penas serão cumpridas na forma prescrita pelas normas vigentes. A equação legislativa se assenta em um juízo abstrato de proporcionalidade, no qual se busca uma certa correspondência entre a gravidade da sanção a ser infligida e o desvalor da ação do agente. Porém, quando se altera radicalmente essa premissa implícita, a equação se desfigura. Em outras palavras, uma pena abstrata- mente proporcional pode se tornar manifestamente despropor- cional quando cumprida em condições muito mais gravosas do que aquelas estabelecidas pelo ordenamento. Certamente é uma sanção muito mais severa, por exemplo, passar cinco anos tran- cafiado em uma “masmorra medieval” imunda e superlotada, do que cumprir o mesmo tempo de pena privativa de liberdade numa instituição que observe escrupulosamente as regras da Lei de Execução Penal. Esse desajuste precisa ser recalibrado judi- cialmente, sob pena de ofensa à proporcionalidade da sanção. Não se trata de desprezar os termos e limites da lei penal. Mas, para que a própria proporção sancionatória vislumbrada pelo
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