Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  96 metafísicos e subjetivos, com o que acabaríamos considerando que ne- nhum direito positivo é, em última instância, obrigatório, razão pela qual “no responde a nuestra pregunta afirmar que el Derecho positivo es válido porque es justo”. 104 Kelsen rechaça a equiparação – ou a mescla – de dever jurídico com dever moral tanto por razões “lógicas” quanto por razões ideológicas. Com as primeiras, aludimos a razões de coerência com seus próprios pos- tulados teóricos; com as segundas, à crítica que Kelsen faz da vinculação entre direito e dever moral de obediência enquanto exemplo típico da ten- tativa de legitimar ou deslegitimar o direito positivo mediante postulados doutrinários que não envolvem mais do que subjetividade e interesse. A partir do primeiro desses pontos de vista, vincular o dever moral com o dever jurídico implica misturar a perspectiva empírica – nesse caso, psicológica – com a normativa, o ser com o dever. O que habitualmente se apresenta como um conflito de obrigações vivida pelo sujeito que se debate entre a obediência à norma jurídica ou à sua consciência moral é um conflito que não se desenrola na esfera do Sollen , mas no âmbito psico- lógico dos motivos. 105 Estar obrigado pelo direito e se sentir obrigado por ele são coisas que não se equivalem. Que devido a razões morais alguém não se sinta obrigado a cumprir certa norma jurídica não lhe subtrai a vali- dade, nem faz com que deixe tal norma de ser obrigatória. O que há é um conflito psicológico para o sujeito que tem que decidir se atua conforme os preceitos jurídicos ou conforme sua moral. Contudo, tal conflito não pode ser resolvido nem a partir do sistema jurídico nem a partir do sistema moral, dado que cada qual só vê conforme sua óptica, dando preferência às suas respectivas normas. 106 O vínculo que a obrigação jurídica expressa não é um vínculo psi- cológico nem se relaciona com o foro interno do indivíduo. 107 Trata-se de um vínculo formal e objetivo, ou seja, uma outra forma de se expressar a realidade da norma em sua função ordenadora de condutas, sob o pressu- 104 KELSEN, 1991e, p. 186. Texto original de 1957. 105 KELSEN, 1968c, p. 303; 1968e, pp. 220-221 e 1988a, pp. 446-447. 106 KELSEN, 1928, p. 111. 107 “La afirmación de que una persona está legalmente obligada a una cierta conducta, es un aserto sobre el contenido de una norma de derecho y no sobre acontecimientos reales, ni sobre el fuero interno del obligado. [...] El deber jurídico no es un vínculo psicológico”, como demonstra o fato de que um indivíduo pode estar obrigado pelo direito ainda que desconheça a norma correspondente (KELSEN, 1988a, p. 83).

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