Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  94 dicas. Não teria sentido pensar em um direito cujas normas se projetam como inteiramente disponíveis e de cumprimento meramente voluntário. Por isso a sanção é o elemento chave da noção de validade ou obrigato- riedade jurídica, dado que ela é a resposta que o ordenamento positivo prevê para fazer valer a obrigatoriedade constitutiva de suas normas. Na previsão de sanções para o comportamento renitente termina o tema da obrigatoriedade do direito. Nesse sentido, toda norma jurídica é obriga- tória, visto que prevê uma sanção para seu descumprimento. Esgota-se assim a perspectiva jurídica de Kelsen sobre a obrigação. Que os sujeitos tenham dilemas morais sobre se devem cumprir a norma ou desobedecê -la é questão que em nada interessa ao direito e nem à sua teoria estrutural, do mesmo modo que não importa ao direito se os indivíduos acatam as normas por convicção, medo ou acaso. Assim, uma coisa precisa ficar clara: o dever jurídico e o dever moral não têm a menor conexão em Kelsen e nada impede que sejam contrapos- tos. Pensar de modo contrário significaria dotar a norma jurídica de valor moral intrínseco ou entender sua validade como algo condicionado por seu conteúdo moral, possibilidades que Kelsen rechaça de modo vigoro- so. A partir de parâmetros kelsenianos, pensar que existe um dever moral de obedecer às normas jurídicas é tão absurdo como entender que há um dever jurídico de obedecer às normas morais. A equiparação entre validade e obrigatoriedade em Kelsen pratica- mente não exige comentário, desde que não se perca de vista que se trata de obrigatoriedade jurídica e não de outra espécie: “Que una norma que se refiere a la conducta de un hombre valga significa que obliga, que el hom- bre debe comportarse de la manera determinada por la norma”. 95 Esse “deve” expressa a perspectiva que o próprio ordenamento jurídico tem do comportamento do sujeito ou, dito de outra maneira, significa como é vis- to ou julgado tal comportamento sob óptica do direito. Ainda que trechos como o que acabamos de citar possam induzir ao equívoco que criticamos, em outras passagens resta menos espaço para dúvidas: la existencia de un deber jurídico no es sino la validez de una norma de derecho que hace depender una sanción de la con- ducta contraria a aquella que forma el deber jurídico. Esto no 95 KELSEN, 1979a, p. 201.

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