Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 87 parou validade jurídica à obrigação moral de obediência – nem sequer à obediência judicial –, dever-se-ia averiguar de que fonte proveio o espírito de submissão daqueles juízes. A resposta, ao menos como hipótese, já foi indicada neste trabalho: essa mentalidade – esse deixar-se nas mãos do Estado – vinha exatamente daquele estatismo metafísico e organicista do qual havia mamado o autoritarismo. Os juízes nazistas desprezavam a de- mocracia e adoravam o Führer porque consideravam esse demente ridículo como a pessoa mais apta para conduzir a Alemanha aos sonhados destinos de grandeza e império. Não eram positivistas, nem lhes preocupava de nenhum modo a teoria jurídica sobre a validade normativa; eram uns mi- seráveis pretensiosos, com ambição e vocação de lacaios de um Estado-pai representado por um filho espúrio, Hitler. Detalhemos um pouco mais. A doutrina kelseniana não só é in- compatível com a visão da aplicação do direito como mera subsunção, senão que o próprio Kelsen desautorizou reiteradamente a dita teoria da subsunção. Segundo Kelsen, a decisão judicial tem uma indubitável di- mensão criativa, pois “la norma general nunca puede determinar de una manera total el acto jurídico que la ha de individualizar”. 78 Dessa maneira: “el contraste entre creación y aplicación del Derecho que suele expresarse en la oposición entre legislación y ejecución, entre legis latio y legis executio , no es en modo alguno rígido y absoluto, sino solamente la relación entre dos grados sucesivos del proceso productor del Derecho”. 79 Daí se segue tam- bém o fato de a sentença judicial não ter caráter “declarativo”, sendo, ao contrário, “ absolutamente constitutiva del derecho, es productora de derecho en el propio sentido de la palabra”. 80 Ademais, Kelsen afirma que, ao ver o juiz como mero autômato, a doutrina da aplicação do direito enquanto pura subsunção coincide com “a ideologia da monarquia constitucional: o juiz, que se tornou independente do monarca, não deve ser consciente do poder que a lei lhe outorga, que lhe tem que outorgar devido a seu caráter geral. Ele deve crer que é um mero autômato, que não produz direito criativamente, mas apenas direito já produzido, que encontra na lei uma decisão já acabada e enumerada”. 81 78 KELSEN, 1979b, p. 203. 79 KELSEN, 1979b, p. 195. 80 KELSEN, 1979b, p. 200. Praticamente em termos idênticos, cf. KELSEN, 1946, p. 114; 1979a, p. 247 e 1988a. 81 KELSEN, 1968a, p. 1888. O original desse artigo é de 1931.
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