Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  81 ral própria é a única moral verdadeira e parte essencial de todo direito que verdadeiramente seja jurídico. Entre decência moral e vinculação teórica em matéria de validade cabem todas as combinações possíveis, como bem ensina a história. Afinal, pode-se ser indecente e jusmoralista, indecente e juspositivista ou decente e qualquer uma dessas duas coisas. Os juristas do nazismo, tão apegados a Hitler e à exaltação da raça, eram certamente indecentes e, além disso, não eram positivistas kelsenianos. Nenhuma dú- vida pode pairar sobre tal conclusão. Vale a pena que nos demoremos na tradução e citação de alguns significativos parágrafos de Ingo Müller: Para o “ordenamento jurídico” do império nazista, a estrita vin- culação da magistratura à letra da lei teria sido um freio, uma limitação ao poder estatal. Por isso o juiz se declarava expressa- mente ligado à “lealdade ao Führer ”, não sendo fiel à lei. Acolher a letra da lei, ao contrário, considerava-se como algo “típico do pensamento jurídico e moral liberal-judaico” e nada menos que a Sala Penal do Tribunal do Reich , sob a presidência de Bunke, advertiu assim à magistratura alemã: “A tarefa que o Terceiro Reich põe à jurisprudência dos tribunais só pode ser satisfeita se, na interpretação das leis, ela não se ativer a seu teor lite- ral, mas sim penetrar em sua essência e tratar de colaborar para que sejam realizados os fins do legislador”. Ainda que na época do nazismo – e, sobretudo, depois – qualquer jurista soubes- se perfeitamente que a doutrina jurídica nacional-socialista era exatamente o oposto do positivismo jurídico, a afirmação de que os juízes alemães não haviam feito mais do que seguir a lei, como tinham sido adestrados pelos professores democra- tas da República de Weimar, funcionou como exculpação uni- versal [...]. Não está claro quem foi o inventor dessa lenda da fidelidade dos juristas nazistas à lei, lenda que se lançou contra os professores democratas da época de Weimar como Gustav Radbruch, Gerhard Anschütz e Hans Kelsen, cientistas que em 1933 perderam suas cátedras. O professor Jahrreiss utilizou tal argumento em sua defesa dos acusados no julgamento dos juris- tas em Nuremberg [...]. Essa explicação da decadência do direito sob o nacional-socialismo estendeu-se rapidamente. O antigo

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