Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 79 Não se pode perder de vista que nos dias em que Radbruch apresen- ta sua nova posição, a capacidade explicativa e fundamentadora da teoria jurídica estava mais do que ultrapassada. Ao fim e ao cabo, Radbruch – e também os professores que, à diferença dele, militaram no nazismo – não deveria ter esquecido que as frequentes invocações ao jusnaturalismo em tempos de Weimar – e inclusive depois de 1933 – não tinham contribuído com grande coisa para frear o entusiasmo doutrinário e judicial diante dos ditados de Hitler. Era necessário iniciar uma nova etapa política e acadêmi- ca. Enquanto os acadêmicos que buscavam escusa para seu anterior apego ao nazismo proclamavam-se positivistas com efeitos retroativos e jusna- turalistas para o futuro, outros pretendiam encontrar fundamento jurídico para reações como aquelas refletidas no Tribunal de Nuremberg, e aqui, sim, sem dúvida, utilizando argumentos positivistas como as condenações que tinham que ser vistas como atentatórias ao princípio da legalidade penal, pois nem no direito alemão e nem no direito internacional da época se podia encontrar base suficiente para sustentá-las. Com esquemas juspo- sitivistas, provavelmente teria que se tornar aceitáveis absolvições moral e politicamente intoleráveis. Lançar mão do jusnaturalismo para justificar os castigos parece mais funcional, mas sob o preço de voltar a tornar as teses jusnaturalistas perfeitamente aptas para quaisquer usos que se lhes queira dar. Era talvez o momento de se fazer justiça à margem do direito e não a partir do direito, por mais que, por óbvias razões políticas, não se qui- sesse deixar explícito que a doutrina jurídica pouco pode contribuir nessa matéria, devendo a força agir livremente, em especial contra os que, como Hitler e sua camarilha, jamais respeitaram a lei e seus atributos formais. 64 64 São de grande interesse as considerações críticas de Kelsen sobre o Tribunal de Nuremberg. Cf. KELSEN, 1947, p. 153 et seq. Citamos a edição italiana: KELSEN, 1990, p. 141 et seq . Um bom resumo da posição de Kelsen pode ser lida no estu- do introdutório de Luigio Ciaurro à dita edição. Danilo Zolo resume assim o tema: “Finalizada la guerra mundial, el primer paso hacia la paz debería ser, por tanto, la institución de una Corte de justicia internacional, titular de una jurisdicción obligatoria: todos los Estados que se adhieran al tratado deberían obligarse a renunciar a la guerra y a las represalias como instrumentos de regulación de los conflictos, a someter sus controversias a la decisión de la Corte y a aplicar fielmente sus sentencias. Kelsen pensaba que un tratado de este tipo debería ser suscrito, ante todo, por las potencias vencedoras, incluida la Unión Soviética, y que posteriormente podrían ser admitidas también las potencias del Eje, una vez desarmadas y sometidas a rigurosos controles políticos y militares. Y no había razón para temer que las grandes potencias, una vez suscrito el Pacto, no respetarían las decisiones de la Corte o no la habrían respaldado con su fuerza militar para hacer valer sus sentencias. Ni tenía mucho sentido sostener que, de este modo, se habría ratificado, en el plano jurídico, su hegemonía política y militar. En realidad, las grandes potencias se habrían hecho garantes del derecho internacional: habrían sido ‘el poder que está detrás de la ley’. Al aceptar las reglas del pacto y al hacerlas observar, las grandes potencias se habrían comprometido a ejercer su inevitable preponderancia según los cauces del derecho internacional, y no de forma arbitraria. [Kelsen] considera que uno de los medios más eficaces para garantizar la paz internacional es la aprobación de reglas que establezcan la responsabilidad individual de quien, como miembro de gobierno o agente del Estado, haya recurrido a la
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