Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  77 Radbruch ou qualquer outro, salvo se, como afirma Mertens, definamos o positivismo enquanto uma doutrina que advoga a necessária obediência ao direito positivo pelo simples fato de ser positivo, ideia que, por exemplo, jamais foi postulada por Kelsen. Há inclusive autores que veem na crítica de Radbruch 61 uma autocrítica dedicada àquele fragmento de sua Rechts- philosophie no qual ele sustenta, antes do nazismo, que o juiz deve aplicar a lei ainda que seu conteúdo seja contrário aos ditados de sua consciência sobre a justiça. 62 Também se pode conjecturar que o positivismo que Ra- dbruch ataca – com sua insistência de que o positivismo põe o direito aos pés do puro poder estatal, pretendendo no fundo legitimar a obediência ao Estado enquanto ente absoluto – é aquele positivismo autoritário que realmente teve grande presença na Alemanha, 63 o positivismo do direito do Estado e não o do Estado de Direito. Em qualquer caso, com autores como Larenz ou Weinkauff, entre tantos outros, e, por outro lado, com Radbruch, consolidou-se a confusão que passaria para a história. Trata-se da confusão entre validade jurídica e obrigação moral. Quando o positivismo kelseniano traçou sua teoria de validade do direito, ele pretendeu simplesmente oferecer um critério que permitisse diferenciar o direito dos demais sistemas normativos, ou seja, distinguir, no plano da descrição, as normas jurídicas das normas morais ou religiosas e dos usos sociais etc. Todavia, em virtude da separação con- 61 WALTHER, 1989. 62 “Para o juiz, é obrigação profissional fazer valer a vontade de validade da lei, sacrificar seu sentimento jurídico ante o imperativo legal, perguntar-se só o que é jurídico e, em nenhum caso, se é justo [...] Desprezamos o sacerdote que predica contra suas próprias convicções, mas elogiamos o juiz que não deixa que sua fidelidade à lei se veja eclipsada por seu sentimento jurídico de signo contrário” (RADBRUCH, 1973, p. 178). Em qualquer caso e em meio ao debate sobre o melhor modo de se entender a filosofia jurídica de Radbruch antes e depois do nazismo, é importante assinalar, como faz Ian Ward, que Radbruch não facilitou o nazismo com sua doutrina primeira (WARD, 1992, p. 203), nem se converteu ao jusnaturalismo em sentido estrito (WARD, 1992, pp. 197-199). 63 Rottleuthner, por exemplo, defende tal tese. Depois de fazer ver que o Radbruch posterior a 1945 ataca três conceitos divergentes de positivismo jurídico, afirma que a opinião segundo a qual o positivismo tinha sido dominante na Alemanha de Weimar só pode ser entendida com referência ao fato de que “a grande maioria dos juristas eram representantes do positivismo em sua variante autoritária, e não no sentido de que entendessem que cada um deve atuar em conformidade com o legislador. Em razão de sua postura autoritária e conservadora proveniente do Império, tais juristas comportavam- se frente ao legislador parlamentar e republicano de maneira reticente ou com rechaço, pois tal legislador não correspondia ao modelo do Estado monárquico autoritário” (ROTTLEUTHNER, 1987, p. 381). Sobre os três tipos de positivismo presentes em Radbruch, cf. ROTTLEUTHNER, 1987, p. 376. Segundo Dieter Simon: “Pode-se considerar como um fato – que inclusive era indiscutível para os contemporâneos – que a jurisprudência da república de Weimar mostrava em seu conjunto uma atitude bastante reservada diante do novo Estado, compreendendo em seu espectro desde a antipatia a contragosto até a hostilidade aberta. A frequentemente citada sabotagem da lei de proteção à república ( Republikschutzgesetz ) efetivada pelas miseráveis sentenças que declaravam a ausência de caráter injurioso de expressões como “república judia” ou das constantes injúrias à bandeira continua sendo o melhor testemunho disso” (SIMON, 1985a, pp. 52-53).

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