Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  76 remédio além de reconhecer que até a lei mais iníqua é direito. 59 Trata-se de mais um dos muitos paradoxos na história do pensamento jurídico, pois esse Radbruch que havia sido positivista quando quase ninguém o era – ao menos no sentido do positivismo kelseniano – e que certamente percebeu que a doutrina nacional-socialista rechaçava tal positivismo do modo mais virulento, acabou concordando com suas teses de culpabilização genérica e acrítica do positivismo. O nazismo expulsou de suas cátedras tanto o positivista Radbruch quanto o positivista Kelsen, este forçado ao exílio, enquanto que no nazismo engordavam aqueles que, como Carl Schmitt, sempre haviam se proclamado antipositivistas e antikelsenianos. 60 A afir- mação de que o positivismo foi dominante em Weimar e nos tempos de Hitler não se sustenta historicamente, pouco importa quem a defenda, seja 1990, p. 83. Citamos a tradução castelhana de J. M. Rodríguez Paniagua: RADBRUCH, 1971, p. 3). 59 RADBRUCH, 1972, p. 2. Esse texto de Radbruch foi originalmente publicado em 1947. Acrescenta Radbruch: “A ciência jurídica tem de retornar ao milenar saber da Antiguidade, da Idade Média cristã e da época da Ilustração e tomar consciência de que há um direito mais alto do que a lei, um direito natural, um direito divino, um direito da razão, em resumo, um direito supralegal sob cuja medida a injustiça nada mais é do que injustiça, ainda que sob a forma da lei, e ante a qual uma sentença judicial baseada em tal lei injusta não é verdadeira decisão jurídica, verdadeira jurisprudência, nada sendo além de não direito [ Unrecht ], ainda quando ao juiz, devido à sua educação jurídica positivista, não se lhe possa atribuir culpa pessoal” (RADBRUCH, 1972, p. 2). Esse último matiz no que se afirma que os juízes não eram pessoal- mente culpáveis devido a fato de não conhecerem outro direito além do positivo, tendo sido formados no positivismo, levou alguns autores a entenderem que Radbruch estava propondo uma atenuação da responsabilidade moral e jurídica da magistratura, pretendendo também propugnar uma mudança no modelo educativo dos juristas (MERTENS, 2003, pp. 292-293). Na realidade, a posição de Radbruch no que concerne à responsabilidade dos juízes é bastante equívoca; por um lado, ele ressalta que não eram jurídicas muitas daquelas normas aberrantes que aplicavam, mas, por outro, abre uma via de exculpação que será constantemente usada na jurisprudência posterior, ao assinalar que, por suas convicções positivistas, os juízes poderiam carecer da consciência da antijuridicidade ou que, inclusive, o medo poderia ter-lhes levado a atuar em estado de necessidade. Assim, Radbruch presta pouco serviço à justiça, já que sabemos quanto de falsidade há na suposta ideologia positivista, salvo se nos referimos ao positivismo estatista e metafísico antikelseniano. Ademais, investigações posteriores demonstraram categoricamente que não se configuravam os requisitos do estado de necessidade, pois não eram sancionados, com nenhuma gravidade, os poucos juízes que abdicavam ou que, de outro modo, faziam um uso alternativo do direito (MÜLLER, 1989, p. 197 et seq ). Sobre a escassíssima resistência judicial, em que se pese a lenda que sobre o assunto propagaram, nos anos cinquenta, autores como Schorn ou Weinkauff, cf. ROTTLEUTHNER, 1987, p. 386. Mas leiamos Radbruch sobre tal tema: “La punibilidad de los jueces por asesinato presupone a su vez que hayan quebrantado el Derecho (arts. 336 y 344 del Código Penal). Porque, en efecto, el juicio de un juez independiente sólo puede ser objeto de un castigo cuando no haya cumplido con el principio fundamental a que tiene que acomodarse esa independencia: la sumisión a la ley, es decir, al Derecho. Si, de acuerdo con los principios que hemos desarrollado, se puede afirmar que la ley que se aplicó no constituye Derecho, como, por ejemplo, en el caso de una pena de muerte encomendada a la libre apreciación, sino que más bien hacía escarnio de cualquier intención de acomodarse a la justicia, estamos ante un caso de objetiva violación del Derecho. Pero ¿podrían incurrir en el dolo de violación del Derecho al aplicar las leyes positivas unos jueces que estaban tan imbuidos por el positivismo jurídico dominante, que no conocían más Derecho que el establecido en las Leyes? Aun admitiéndolo, les quedaría todavía como último recurso, aun cuando bien lamentable, invocar el peligro de muerte en que se hubieran metido, dada la concepción del Derecho nacionalsocialista, es decir, la ausencia de Derecho a pesar de las leyes: el recurso al estado de necesidad del artículo 54 del Código de Derecho Penal; del que decimos que sería bien lamentable, porque el ethos del juez debe estar orientado por la justicia a toda costa, aun la de la propia vida” (RADBRUCH, 1990, pp. 91-92. Utilizamos a tradução castelhana: RADBRUCH, 1971, pp. 18-19). 60 MERTENS, 2003, p. 282.

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