Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  75 ou seja, sua condição de direito. O mais citado parágrafo de Radbruch sobre a questão é o seguinte: O conflito entre justiça e segurança jurídica poderia ser solucio- nado dando prioridade ao direito positivo, enquanto assegurado pela promulgação e o poder, ainda quando seu conteúdo seja injusto e inapropriado. Por outro lado, pode-se entender que, quando a contradição da lei positiva com a justiça alcança uma proporção insuportável, tem-se que a lei, enquanto “direito in- justo”, deve ceder diante da justiça. É impossível traçar uma linha precisa entre uma lei que, por sua injustiça, não seja direito, e outra que, apesar de seu conteúdo de injustiça, seja, contudo, uma lei válida. Mas uma fronteira entre ambas pode ser esta- belecida com toda precisão: quando nem sequer se pretende a justiça, quando a igualdade – que constitui o núcleo da justiça – é conscientemente vulnerada ao se promulgar o direito positivo, a lei não é meramente direito injusto, mas perde completamente sua natureza de direito. Pois o direito – inclusive o direito posi- tivo – não pode definir-se senão como uma ordem e uma pres- crição que, por seu sentido imanente, está determinado a servir à justiça. Medido com esse padrão, boa parte do direito nacio- nal-socialista não alcançou nunca a dignidade de direito válido. 56 Eis o que passaria para a história como a “fórmula de Radbruch”, de grande influência em autores contemporâneos como Robert Alexy. 57 Com o objetivo de questionar a tese positivista da validade jurídica, Radbruch une-se à ideia de que o positivismo, com sua afirmação de que “a lei é a lei”, teria dominado indiscutivelmente os juristas alemães, deixando inde- fesa a doutrina jurídica. 58 Os partidários do positivismo não tinham mais 56 RADBRUCH, 1990, p. 89. Esse trabalho foi originalmente publicado em 1946 e a tradução acima é nossa. É tarefa extraordinariamente difícil e delicada a de traduzir parágrafos como esse, decisivos na obra de um autor e nos que algum matiz pode ser absolutamente determinante. 57 Entre as numerosas referências em Alexy, cf. ALEXY, 1999, p. 40 et seq. Sobre a aplicação da “fórmula Radbruch” às autoridades e ao pessoal de segurança da antiga República Democrática Alemã no caso dos chamados “atiradores do Muro de Berlim”, cf., entre a abundante literatura, ALEXY, 2000, p. 197 et seq .; FROMMEL, 1993, p. 81 et seq . e VALLALLI, 2001. 58 “El nacionalsocialismo se aseguró la sujeción de los soldados, por un lado, y de los juristas, por otro, sobre la base de los principios ‘Las órdenes son órdenes’, que se aplicaba a los primeros, y ‘ante todo se han de cumplir las leyes’, que se refería a los segundos. Sin embargo, el lema de ‘las órdenes son órdenes’ no rigió nunca sin limitaciones [...]. En cambio, al principio de que ‘ante todo se han de cumplir las leyes’ no se le puso ninguna limitación. Sino que era la expresión del posi- tivismo jurídico, que, durante siglos, se impuso casi sin ninguna contradicción, entre los juristas alemanes” (RADBRUCH,

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