Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 72 A ideia de igualdade de sangue e de raça do povo alude àquela unidade da linhagem alemã em sua essência mais original – com todas suas variantes –, desenvolvida sobre a base natural da he- rança racial, unidade que é designada pelas expressões “espírito do povo” ou “alma popular”. Essa ideia de direito vê no espírito do povo a sua raiz e a sua meta no serviço à nação, pelo que, ade- mais, exige que sejam reservadas certas funções especialmente importantes para a construção da comunidade popular a com- patriotas racialmente aptos – o que não significa o mesmo que cidadãos com nacionalidade estatal –, pois os estrangeiros ou os nacionais de raças alheias carecem, nesse ponto, do pressuposto de sua inserção no povo. Entre esses postos encontram-se os do funcionalismo público e os do serviço no exército. Tais reservas não significam direitos superiores no sentido de privilégios, mas, ao contrário, supõem para seus portadores um aumento de suas obrigações nacionais e sociais, não oferecendo ao compatriota na raça, por contraste com o estrangeiro de outra raça, nenhuma vantagem individual ou material. 50 Por sua parte, a magistratura nazista levou a tal ponto seu zelo no serviço ao Estado nacional-socialista 51 que teve que ser advertida pelo Mi- nistro da Justiça Thierack nas famosas Richterbriefe , as “ Cartas aos juízes ”, 52 a primeira das quais foi remetida às autoridades judiciais em setembro de 1942. Em tais documentos insistia-se, entre outros pontos, que os juízes penais se ativessem às penas estabelecidas em lei e abandonassem a prática frequente de impor, para certos delitos, penas superiores às legalmente estabelecidas. Estariam esses juízes impregnados de positivismo legalista? Kelsen não só serviu de bode expiatório para antigos nazistas e antipositivistas de toda a vida; também seu positivismo converteu-se em base para outra batalha. Finalizada a guerra, apresentou-se na Alemanha o problema de como se deveria tratar juridicamente os juízes e funcionários que aplicaram com extrema dureza as normas mais infames. No caso de muitos funcionários a escusa era a obediência devida, e, no dos juízes, a de 50 WOLF, 1934, pp. 357-358. 51 “Não se pode esquivar do fato de que a maioria dos juízes do Terceiro Reich serviu aos novos dirigentes, primeiro com diligência, logo, talvez algo abatidos, mas ao mesmo tempo submissos e, em geral, sem praticamente nenhum tipo de protesto” (SIMON, 1985a, pp. 56-57). 52 ANGERMUND, 1990, p. 231 et seq .; SIMON, 1985b, p. 113 e STAFF, 1978, p. 65 et seq .
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