Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 64 no Estado instaurado pela Lei Fundamental de Bonn. Entre os professo- res que haviam posto suas penas a serviço de Hitler, tornou-se habitual uma pouco crível conversão ao jusnaturalismo, tendo se transformado em defensores de uma concepção do direito com forte base moral. Se antes se haviam oposto com todas suas forças ao positivismo jurídico por con- siderá-lo individualista, dissolvente, judaico e inimigo da grandeza e da expansão do povo alemão, no pós-guerra continuaram com o seu anti- positivismo, mas usando outros argumentos. À época, o ataque dedicado ao positivismo baseava-se na separação positivista entre direito e moral, frente a qual se afirmava o essencial fundo axiológico do direito, o papel determinante da dignidade humana individual e a indubitável vigência po- sitiva e suprapositiva dos direitos humanos. Em regra, foi uma conversão massiva. Sob essa nova e interessada versão, o positivismo jurídico – do qual anteriormente estavam todos imbuídos – seria a causa de não terem sabido apreciar o opróbrio nacional-socialista e de que tivessem prestado seu assentimento aos desígnios jurídicos daquele sistema. Evidentemente, fazia parte de tal operação de autojustificação a difusão de uma versão do positivismo kelseniano que em nada se adequava à doutrina que, em verdade, havia Kelsen defendido ao longo de toda sua obra até aquele momento. Muito em particular, interessava fazer crer que Kelsen sempre havia propugnado a virtude moral de todo direito formalmente válido e o imperativo moral de obediência a quaisquer leis promulgadas pelo poder, o que constitui uma doutrina sem fundamento que tem tido um surpreen- dente eco ao longo das décadas, chegando inclusive aos dias de hoje. Os exemplos e os textos poderiam ocupar estantes inteiras. Men- cionemos somente um bem representativo, o de Hermann Weinkauff. 23 Nascido em 1894, militou desde 1933 no partido nazista. A partir de 1937 foi magistrado do Reichsgericht , tendo sido distinguido em 1938 com uma condecoração, a Silbernen Treudienst-Ehrenzeichen , prêmio por sua lealdade ao regime. Depois da guerra, passou alguns meses em um campo de inter- nação norte-americano e, mais tarde, presidiu o Landgericht de Bamberg, até que em 1950 foi nomeado Presidente do Tribunal Supremo Federal, o Bundesgerichtshof . Não precisou pedir perdão por seu entusiasmo na era do nazismo, nem de dar mais explicações sobre seu zelo judicial naquele tempo, bastando afirmar a tese segundo a qual o positivismo jurídico teria 23 Uma completa exposição de sua biografia, carreira e obra pode ser encontrada em HERBE, 2008.
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