Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  61 tomavam consciência dos excessos a que tal pensamento os havia levado? Mais adiante voltaremos a falar sobre o caso e os porquês. Não era distinta a situação na magistratura. Com a entrada em vigor da Constituição de Weimar, ofereceu-se aos juízes, coletivamente suspei- tos de professar escassa simpatia pelo regime constitucional do Estado de Direito, a oportunidade de se aposentarem sem perda econômica. Mas muito poucos – somente 0,15% – aceitaram a oferta. 13 Essa também foi a razão pela qual autores como Radbruch mostraram-se então pouco in- clinados a colocar nas mãos daqueles juízes o controle de constituciona- lidade das leis. 14 Durante a República de Weimar foi moeda comum uma prática judicial que se desligava irreflexivamente de qualquer vinculação ao texto da lei e ditava resoluções inspirando-se em supostos princípios que não eram mais do que aqueles característicos do autoritarismo estatal que lhes parecia tão atraente. 15 Mais ainda, deve-se acrescentar que a juris- prudência da época, especialmente a penal, deixava transparecer com toda clareza possível uma manipulação descarada da lei para perseguir com sa- nha os movimentos sociais esquerdistas e favorecer grupelhos nazistas e golpistas. 16 O processo intentado contra Hitler devido à sua tentativa de golpe de Estado de 8 e 9 de novembro de 1923 e sua escandalosa senten- ça, prolatada em primeiro de 1º de abril de 1924, não são mais do que a suprema expressão dessa constante atitude. 17 13 ROTTLEUTHNER, 1987, p. 377, n. 6 e SIMON, 1985a, p. 52. 14 A atitude geral dos professores juspublicistas que defendiam a democracia e a República de Weimar era de receio ante essa possibilidade de controle judicial da constitucionalidade das leis. Era o caso de Radbruch, Anschütz, Thoma ou W. Jellinek. Entretanto, a favor de dito controle – e não necessariamente por amor à Constituição e ao sistema do Estado de Direito que ela organizava – contava-se com autores como E. Kaufmann, Koellreutter, Larenz e Carl Schmitt, além de outros cuja atitude política não era antidemocrática, tais como Nawiasky ou Leibholz (ROTTLEUTHNER, 1987, p. 381). Como aponta Rottleuthner, há que matizar a postura de Kelsen, em princípio favorável ao controle de constitucionalidade na Alemanha ( Prüfungsrecht ). Contudo, não obstante ter forjado o sistema de controle concentrado de constitucionalidade na Áustria, Kelsen se manifestou com prudência no caso alemão, alegando que, quando uma Constituição contém prin- cípios tão vagos como os de justiça, liberdade ou igualdade, surge, o risco de que se produza um deslocamento do poder do Legislativo para o Judiciário. Era precisamente o que temiam autores como Radbruch ou Franz Neumann: que aqueles juízes nostálgicos de império e de autoridade imperial destruíssem a partir de dentro o sistema de Weimar mediante o Prüfungsrecht (ROTTLEUTHNER, 1987, p. 381). 15 Como explica Ingo Müller: “Os tribunais da República de Weimar raramente qualificaram de modo expresso uma lei como não aplicável ou inconstitucional, mas com muito palavreado e uma ‘interpretação’ da lei que tinha pouco a ver com seu teor literal, conseguiam perfeitamente o mesmo efeito, colocando a lei fora do jogo. O positivismo jurídico não estava entre os juristas alemães representado por ninguém, salvo por uma pequena minoria republicana. Carl Schmitt havia assinalado em 1932 que ‘o tempo do positivismo jurídico chegou a seu fim’” (MÜLLER, 1989, pp. 221-222). 16 URBINA, 2007, p. 79 et seq . 17 Cf. ANGERMUND, 1990, p. 231 et seq . e MÜLLER, 1989, p. 23 et seq . Leia-se as amargas palavras de Radbruch acerca dessa sentença e da justiça política do período em RADBRUCH, 1992, pp. 184-188.

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