Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 55 natural, ou seja, a encarnação da nação, depositário e fonte de todos os poderes. Os atributos outrora associados ao Imperador e aos senhores de cada território foram atribuídos ao Estado e assim ele se legitimou por sua substância, conformando-se à natureza das coisas e à ordem necessária da sociedade por ser resumo e quintessência do sentir de todo um povo. Tal relação entre o Estado, por um lado, e os interesses e sentimentos popu- lares, por outro, não se estabeleceu pelas vias procedimentais da represen- tação política cidadã, mas sim pelo vínculo emotivo e por uma representa- ção de outro tipo, não formal, mas assentada na comunhão do povo com suas instituições, fundada mais na empatia do que na livre contraposição de interesses e programas de governo. As relações de Direito Público concebem-se como relações entre dois sujeitos diferentes, mas ambos com entidade própria e personalidade plena, ou seja, são seres substanciais e não meramente jurídicos. De um lado há os cidadãos chamados a se relacionar com os poderes públicos a partir de uma vocação para servir ao bem comum. De outro lado, há o Estado tido como ser suprapessoal, emanação e expressão da identidade comunitária. Sendo o Estado considerado enquanto síntese do comum e do comunitário em uma forma pessoal mais alta e supraindividual, sua preeminência nas relações com seus cidadãos se assenta nele próprio. Os cidadãos podem participar na vida e nas decisões do Estado, mas em úl- tima instância não são eles, como indivíduos autointeressados, os que se coordenam e que dão sua voz e seu ser ao Estado por intermédio do qual legislam para si mesmos. É o Estado que, por si e com o auxílio da participação cidadã, vela pela ordem devida e trata de realizar seu próprio interesse, que é o interesse da comunidade enquanto um todo. Estamos, pois, nas antípodas da ideologia liberal do contrato social. Surgem conti- nuamente metáforas organicistas que fazem do ente estatal o titular natu- ral do poder e da política e dos cidadãos meras células desse organismo coletivo, ao qual, ademais, têm de servir conforme as tarefas que o próprio Estado lhes designa. Não há pacto social para construir o Estado de base social. Ao contrário, a base social não é mais do que uma parte do corpo social do Estado, que tem nos governantes sua cabeça e, no espírito do povo, sua alma. Assim é como se deve entender a expressão “direito de Estado”, como contraposta ao que significa “Estado de Direito”. O Estado an-
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