Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 238-262, Maio-Agosto, 2019  255 co, na medida em que aparece como uma insurgência contra todo o sistema e uma subversão de seus valores fundamentais, capaz de corroer a estrutura mestra do sistema. Logo, a gestão pública exercida que não cumpre a pres- tação de um serviço público de natureza essencial que visa a concretizar o direito à saúde provoca maiores impactos diretos na sociedade, porque versa sobre serviços exigidos todos os dias pela população, de modo que sua ina- dequada prestação viola diretamente direitos fundamentais. No âmbito deste artigo, é polêmica e suscita grande relevância a questão da presença do dolo e da culpa nos fatos típicos previstos no art. 11 da Lei n. 8.429/92. A maioria dos autores considera que é necessário o dolo para caracterizar o tipo, ante a ausência de previsão da culpa. Sob esse aspecto, a interpretação da Lei de Improbidade deve ser feita aos olhos da Constituição que, como ensina Canotilho, 25 é um instrumento hermenêuti- co de conhecimento das normas constitucionais, impondo, assim, recorrer ao texto constitucional em busca da determinação e apreciação do con- teúdo intrínseco da lei. Dessa forma, diante de normas polissêmicas ou plurissignificativas, a preferência é para aquela interpretação que ofereça à norma um sentido que tenha conformidade com a Constituição. A Constituição de 1988 está voltada, em todos os seus aspectos, para a implementação dos direitos fundamentais. É impossível permitir que a legislação infraconstitucional venha admitir lesão grave à dignidade dos administrados dada a prática impune de más administrações, oriundas da incompetência de seus agentes, “[...] de sua negligência contumaz para com as atividades de atendimento às prioridades básicas dos administra- dos, como são as definições de políticas públicas em áreas como saúde e assistência social” 26 . Ainda que os tribunais superiores e a doutrina majoritária 27 enten- dam que não há espaço no art. 11 da Lei de Improbidade para considera- ções de negligência, imperícia ou imprudência, tendo em vista que todos 25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição . 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina. 1999, p. 1.151. 26 DAL BOSCO, Maria Goretti. Discricionariedade em Políticas Públicas . Curitiba: Juruá, 207 p. 432. 27 Nesse sentido, entre outros autores: DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa . São Paulo: Dialética, 2007. p. 147; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Atos de improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 166; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. Ed.São Paulo: Atlas, 2015. p. 1127.

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