Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 216-237, Maio-Agosto, 2019  225 Esclarece-nos Maria Celina Bodin de Moraes 33 que “Em primeiro lugar o mundo da segurança do século XVIII deu lugar a um mundo de inseguranças e incertezas; em segundo lugar, a ética da autonomia ou da liberdade foi substituída por uma ética da responsabilidade ou da solidarie- dade; enfim, e como consequência das duas assertivas anteriores, a tutela à liberdade (autonomia) do indivíduo foi substituída pela noção de proteção à dignidade da pessoa humana ”. Necessário pontuar que da repersonalização do direito, adveio do desenvolvimento de uma cultura pós-positivista 34 que reaproximou o Di- reito da filosofia moral e da filosofia política, reduzindo a separação im- posta pelo positivismo normativista, passando a dignidade da pessoa hu- mana 35 a irradiar-se por todo o ordenamento jurídico, alcançando todos os campos do Direito e todos os âmbitos da vida (natureza aberta). Nos últimos tempos, tornou-se um consenso ético do mundo ocidental 36 . 33 MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2016. p. 47. 34 Dentre nós, Paulo Bonavides, denominou “pós-positivismo” a criação de um sistema que funciona não apenas como operações lógicas e procedimentais, e por isso tendentes ao engessamento, a inamovibilidade, próprias de um contexto fechado e formalista, mas sim, de um sistema aberto que invoca como eixo normativo central o Texto Magno, cujos prin- cípios consubstanciam os valores não passiveis de interpretação puramente lógico-formal, necessitando afora, interação entre o sistema jurídico e a ambiência social. Nesse sentido, Ibid., p. 27. 35 A dignidade da pessoa humana tem origem religiosa, e estava ligada a ideia de que o homem é imagem e semelhança de Deus. Passou ao campo filosófico, tendo por supedâneo a razão, a capacidade de valoração moral e a autodeterminação do individuo. No decorrer do século XX, tornou-se um objetivo político, fim a ser buscado pelo Estado e pela sociedade. Após a 2º Guerra Mundial, permeou-se para o âmbito jurídico por meio de dois movimentos, o amadurecimento da dou- trina pós-positivista e a primavera de constitucionalização no mundo ocidental. BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 13-9. 36 No limiar da segunda década do século XX, a dignidade passou a figurar em diversos documentos eminentemente jurídicos, cita-se: a Constituição do México (1917 – artigo 3º), a da Alemanha de Weimar (1919), o Projeto de Constituição do Marechal Pétain (1940 – França), Lei Constitucional decretada por Francisco Franco (1945 – Espanha) – esses dois últimos, em regimes autocratas o que só resplandece a ideário uníssono a ser buscado pelos Estados e pelas sociedades ocidentais; No Pós-Segunda Guerra Mundial, a Carta da ONU (1945), a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), e mais recentemente a Carta Europeia de Direitos Fundamentais(2000) e no Projeto de Constituição Europeia (2004). Destaca-se um processo de constitucionalização em todo o mundo ocidental, e a tutela da dignidade da pessoa humana no corpo constitucional, inventariam-se: a Constituição Alemã (Lei Fundamental de Bonn – 1949 – artigo 1º), a Constituição do Japão (1946 – artigo 24), da Itália (1947 – artigo 3º), da Espanha (1978 – artigo 10, n1), de Portugal (1976 e revisão de 2004 – artigo 1º), da África do Sul (1996 – 1 alínea a), do Brasil (artigo 1º inciso III), do Peru (1993 – artigo 1º), da Venezuela (2000 – artigo 3º), de Israel (1958 – alteração de 2013- 1A), da Hungria (2011 – Preâmbulo), da Suécia (1974 – artigo 2º), do Canadá (1982 - Preâmbulo); Em Estados do leste europeu, após o fim do socialismos real, observamos o mesmo movimento, destacando exemplificativamente, as Constituições da Croácia (1990 – artigo 25), da Rússia (1993 – artigo 21), da Romênia (1991 – artigo 1º), da Bulgária (1991 – Preâmbulo). Ressalta-se, ainda, com base em pesquisa realizada pelo Constitutional Desing Group, no período anterior à Segunda Guerra, constituições menos conhe- cidas já haviam feito menção à dignidade humana em seus textos, como Estônia (1937), Irlanda (1937), Nicarágua (1939), Equador (1929). V. Constitutional Desing Group (Human dignity), 2016. Disponível em: <https://www.constituteproject. org>. Acesso em: 26 mai. 2016.

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