Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 216-237, Maio-Agosto, 2019 223 chamar de deficiência também o é. Ou seja, a deficiência, qualquer que seja, é fato biológico de diferenciação física, sensorial, orgânica ou intelectual” 25 . Acrescenta ainda, a partir da caracterização proposta por Georges Ganguilhem, que “ É pertinente mesmo em relação à deficiência adquirida (essa caracterização), cujas delimitações decorrentes são contornadas pela reabilitação, pelo reaprendizado das funções alteradas ou perdidas, pelo uso de próteses ou por alguma adaptação desencadeada no próprio or- ganismo. (...) O fato biológico presente na deficiência produz, em algum grau, uma diferença funcional. Dessa forma, em vez de ineficiência e inca- pacidade – sentido literal de deficiência – a condição deficiência é, de fato, uma diferença funcional” 26 . Ao longo do caminhar da vida, essa diferenciação ocorre natural- mente na senescência da pessoa imposta pelo envelhecimento, impingindo a todos nós a redução das faculdades motoras, revelando-se em verdadeira diferenciação funcional que indiscriminadamente atinge quem se envereda no desafio do tempo. Simone de Beauvoir narra um dos mais complexos ensaios sobre a velhice, no qual aponta aspectos biológicos e sociológicos do envelhecimento 27 . O transcorrer natural da vida impõe por si só uma diferenciação que ninguém gostaria de ter-lhe imputada reducionista. Parece-nos que o ca- minho rumo à ampla integração social não poderia passar desapercebendo vocativos que se voltem às demandas existenciais por aceitação, respei- to, cidadania, entrosamento, e em última e primordial análise, igualdade. Tratando, portanto, de fato biológico, seja ele anômalo ou não, é questão comum a todos nós, e peculiar em cada um de nós, como sujeitos singu- lares que somos, elevando-se a pluralidade de pessoas como baluarte do desenvolvimento evolutivo de sociedade. Em posse desse entendimento e em consonância com um efetiva modificação na “cultura de deficiência”, adotamos essa nomenclatura, que passará ser usada nesse texto. 25 PEREIRA, Ray. Diversidade Funcional: a diferença e o histórico modelo de homem-padrão. Revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v.16, n. 3, p. 715-728, jul/set. 2009. p. 716. 26 Ibid. p. 716. 27 Segundo a autora Os discos da coluna vertebral empilham-se e os corpos vertebrais vergam: entre 45 e 85 anos o busto diminui dez centímetro nos homens e quinze nas mulheres. A largura dos ombros se reduz e bacia aumenta; o tórax tende a tornar uma forma sagital, sobretudo nas mulheres. A atrofia muscular e a esclerose das articulações acarretam problemas de locomoção. O esqueleto sofre de osteoporose: a substância compacta do osso torna-se esponjosa e frágil; é por este motivo que a ruptura do colo do fêmur, que suporta o peso do corpo, é um acidente frequente. DE BEAUVOIR, Simone. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p.33.
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