Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 181-215, Maio-Agosto, 2019 202 médio da autonomia privada. Em decorrência, o ato processualizado afeta a sobrevivência do processo, da decisão e da própria coisa julgada material. O sentido dinâmico da norma do contraditório 46 é que pode ser re- lativizado, quando o processo experimenta os argumentos e contra-argu- mentos dos sujeitos parciais. O contraditório-movimento é que realmente pode ser elastecido na prática da intersubjetividade do processo, um con- traditório que denomino “substancial ou real” 47 , por questão de funda- mento dele mesmo. Melhor dizer que é a falta de fundamento, então, por ocasião da convergência entre as vontades. O esquema dialético perma- nece assegurado em sua latência, o que pertence à base democrática do direito processual civil. É imperioso constatar que é a quantidade do contraditório, o seu co- eficiente de combatividade real, que se torna relativizável pela autonomia privada. Não é a qualidade ou o ser do contraditório que se altera 48 , não é o esquema do processo como um ambiente dialético, quando analisado o 46 O contraditório é uma metodologia de duas frentes: uma frente que coloca em contraposição as partes reciprocamente, permitindo um diálogo franco e paritário para que cada qual defenda seu interesse; e outra frente que coloca ambas as partes em posição de direcionar seus argumentos perante o órgão julgador, promovendo de maneira persuasiva e demons- trativa aquilo que elas reputam verídico, na tentativa de fazer valer a sua verdade para o terceiro imparcial. Um princípio cujo motor é uma metodologia multifuncional. 47 Todo o processo estabelece em abstrato um esquema dialético, que consiste no contraditório formal. Por “formal”, não subentendo um predicado equivalente à igualdade formal do liberalismo clássico, mas um contraditório fundado em uma paridade de armas que contemple mesmo a realidade social e os fatores concretos dos sujeitos em possível debate. Agora, o contraditório formal atua no plano das normas, no plano deontológico, do que é ideal para a manutenção da justiça, do que é previsto em abstrato. Densificando esse arquétipo, é necessário o contraditório real ou substancial, que repercute os termos daqueloutro, só que no plano da combatividade, na própria dinâmica ínsita ao processo civil. Esse contraditório substancial pode ser mitigado ou relativizado, de alguma forma modificado, oportunidade em que diminui a nota da litigiosidade ou da necessidade do processo para crescer a influência da autonomia privada, todas as quais direcionadas à tutela do direito: tudo reflexo do processo justo no plano da vida das pessoas, ora elastecido pelo ato jurídico perfeito. Uma percepção dos esquemas do processo em abstrato e em concreto não causa surpresa, basta ver FAZZALARI, Elio. Procedimento e processo (teoria generale). Enciclopedia del diritto , vol. XXXV. Milano: Giuffrè, 1986, p. 821 e seguintes. 48 Fazzalari deixa implícita essa categorização de “grau” de contraditório, quando comenta que o esquema dialético está sempre presente no processo de jurisdição voluntária: “Il conflitto di interessi (o sul modo di valutare un interesse) potrà costituire la ragione per cui la norma fa solgere un’attività mediante processo, ma, intanto si può parlare di processo, in quanto si Constantino, ex positivo iure, la struttura e lo svolgimento dialettico sopra illustrati. In assenza di tale struttura, è vano indagare intorno ad um attuale o eventuale conflitto d’interessi: dov’è assente il contraddittorio, cioè la possibilita, prevista dalla norma, che esso si realizzi, ivi non c’è processo. Così, mentre è di certo possibile cogliere l’impiego del pro- cesso nella giurisdizione volontaria quante volte la norma disponga il contraddittorio, non sembra, invece, teoricamente lecito configurare un processo di volontaria giurisdizione senza contradittorio”. A porta do contraditório e do esquema dialético-formal que o garante no sentido forte está aberta na jurisdição voluntária, em maior ou menor “grau”, nos termos da elasticidade das normas que regulamentam esse quadro da jurisdição. O teor da litigiosidade, o princípio da demanda, o comportamento das partes, e a cognição exigida do juiz como terceiro imparcial, são fatores que influenciarão a “medição” desse contraditório, para a estabilização da matéria colocada em juízo através de duas formas: como um ato jurídico perfeito ou como uma coisa julgada – hipótese em que existe a homologação ou o julgamento. Situações que serão aprofundadas abaixo. Ver FAZZALARI, Elio. Processo. Teoria generale. Novissimo digesto italiano , vol. XIII, Torinese, 1957, em especial, p. 1073.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz