Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 181-215, Maio-Agosto, 2019  184 uma vez que a própria norma jurídica incidente define todos os efeitos atribuídos; em contrapartida, o negócio jurídico aprofunda o grau de in- tervenção da vontade humana, consoante a previsão abstrata estabelecida pelo sistema normativo 7 , chegando a se permitir que os sujeitos da relação jurídica disponham sobre os efeitos do negócio (as circunstâncias do fato jurídico em sentido amplo) – a condição, o termo e o encargo. O mistério reside no plano da eficácia. O plano da eficácia dos atos jurídicos é pautado totalmente pela norma jurídica, enquanto que o plano da eficácia dos negócios jurídicos é pautado parcialmente pela norma jurídica, na medida em que os efeitos dos negócios podem ser de alguma forma manejados pela vontade dos sujeitos. A doutrina 8 esclarece que “a distinção básica entre atos jurídi- cos stricto sensu e negócios jurídicos está em que, nestes, a lei deixa à autonomia privada uma margem de liberdade, dentro de cujos limites podem os sujeitos criar, modificar ou extinguir direitos, pretensões e ações. No negócio jurídico, existe sempre uma margem de autonomia privada que a lei reserva aos parti- culares, possibilitando-lhes estabelecer uma determinada forma de autorregulamento de seus próprios interesses e ações para o futuro, de tal modo que o ato e suas consequências jurídicas são determinados pela vontade, ou, se nem sempre por um ato voli- tivo expresso, ao menos em decorrência daquela margem de au- 7 Saliento que tanto os efeitos do ato jurídico como os efeitos do negócio jurídico são oriundos de preceitos pautados pela norma jurídica. Os efeitos dos fatos jurídicos em sentido amplo são determinados pela norma jurídica. Ou seja, não é tecnicamente aconselhável dizer que a vontade humana pode definir os efeitos ou as finalidades de um negócio jurídico. O direito é uma ciência normativa por natureza e, assim, preordena um esquema de normas e de possibilidades nas quais a própria norma proporciona aos sujeitos, como uma discrição, proibição, ou imposição. Pontes de Miranda expressa que no ato jurídico a “vontade é sem escolha de categoria jurídica, donde certa relação de antecedente a consequente, em vez de relação de escolha e escolhido. Toda caracterização do negócio jurídico como regulador de relações jurídicas, norma- tivo, preceptivo, ou algo semelhante, deriva de engano, que é o de se crer na edição de normas jurídicas pelas pessoas”. Ao raciocínio-base pontiano, em poucas palavras, resumo o seguinte elemento de conexão inerente ao mundo jurídico: relação de condicionalidade jurídica. No ato jurídico a condicionalidade chega ao extremo, determinando todas as con- sequências atribuídas a determinado suporte fático; no negócio jurídico, a condicionalidade permite alguma discrição, de maneira que os sujeitos podem adequar determinados efeitos nos limites à pauta normativa, de antemão colocada como alternativa. Ver MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado : parte geral. Tomo II. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 447. 8 A doutrina estrangeira também efetua a distinção, apesar de quedar no lapso da “finalidade”: “La moderna dottrina distingue ulteriormente gli atti giuridici in atti giuridici in senso stretto , consistenti in mere condotte umane materiali, operanti sul mondo esterno, che i loro autori vogliono in sè e per sè, indipendentemente dagli effetti che il diritto ad esse ricollega; e negozi giuridici , consistenti, secondo la prevalente opinione, in manifestazioni di volontà direttamente produttive di con- seguenze giuridiche (poichè nel negozio giuridico non sempre l’agente si rappresenta l’effetto previsto dal diritto, sembra essere sufficiente che la volontà si diriga ad um fine pratico). Ver DONDINA, Mario. Atti processuali (civili e penali). Novissimo digesto italiano , I. Torino: UTET, 1957, p. 1519.

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