Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 110 Kelsen é favorável a uma evolução do liberalismo compatível com um papel crescente do Estado sempre que tal não signifique sua absolu- tização a serviço de fins que não sejam os do bem-estar e da liberdade social. Ele repele o que chama de liberalismo levado às últimas conse- quências individualistas, 148 o qual geraria a anarquia e a restrição máxima ou total das funções do Estado e do direito. Negar o Estado e o direito em nome de uma liberdade irrestrita significa aceitar o direito dos fortes sobre os fracos. 149 4. Conclusão Só podemos terminar como começamos: perguntando-nos como é possível que tantos hajam atribuído a Kelsen a visão do juiz como aplicador automático e irresponsável das normas jurídicas, a confusão entre obriga- ção política e obrigação moral e até a responsabilidade pelas transgressões do nazismo como consequência de sua escassa simpatia pela democracia. Para além das exculpantes astúcias de antigos nazistas, de autoritários de toda ordem e de tantos que mancharam suas mãos com sangue e abu- so, a contestação impõe-se com inegável evidência: Kelsen foi um grande desmistificador de ideologias opressoras e de estratégias de dominação e, como tal, foi depreciado e vilipendiado durante um século – o XX – que não por acaso foi o século dos grandes mitos políticos e das ideologias que trasladaram o pensamento religioso para esquemas próprios do poder secular. Contudo, parece-nos cômica a obsessão de tantos professores que tentam projetar sobre Kelsen culpas que não são suas, mas deles próprios. Talvez porque, como diz um ditado espanhol, crê o ladrão que todos são de sua própria condição. 148 “Se levado às suas últimas consequências, o individualismo conduz ao niilismo ético e ao anarquismo político” (KELSEN,1968h, pp. 1506-1507). 149 “Não é o direito dos fortes sobre os fracos a moral dos senhores de Nietzsche e, traduzido para o campo econômico e político, a consequência ou o ideal do liberalismo?” (KELSEN, 1968h, p. 1508).
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