Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 109 camente determinados, y el orden jurídico estatal habrá de ser producido por aquellos mismos para los cuales pretende validez obligatoria; luego el liberalismo exige autolegislación, autoadmi- nistración, en una palabra; una forma democrática del Estado. 145 Em segundo lugar, Kelsen separa nitidamente liberalismo político e liberalismo econômico ao assinalar que “la democracia coincide con el liberalismo político, aun cuando no coincida necesariamente con el eco- nómico”. 146 E quando rechaça os regimes de tradição marxista, não o faz por oposição aos seus modelos de organização social, mas em razão da in- compatibilidade que vê entre democracia e princípios organizativos como os da ditadura do proletariado. Todavia, Kelsen não vê com maus olhos a evolução que, partindo do Estado mínimo originalmente proposto pelo li- beralismo, desemboca em estruturas que hoje chamamos de social-demo- cratas e que ele apelidava de “socialismo de cátedra”, as quais buscariam a realização de objetivos de justiça e de bem-estar sociais sem abjurar da democracia. 147 145 KELSEN, 1979c, p. 41. 146 KELSEN, 1988a, p. 341. 147 É de sumo interesse e de plena atualidade a polêmica que Kelsen manteve com Hayek em 1955. Cf. KELSEN, 1967b, especialmente p. 176 et seq . Hayek defendia a total incompatibilidade entre democracia e socialismo. Kelsen perguntava-se se tal compatibilidade seria possível ou não. Em primeiro lugar, afirmava que as liberdades positivas ou políticas – liberda- des de participação dos governados no governo – são plenamente compatíveis com o socialismo. A dúvida é se também o são outras liberdades essenciais à democracia, quais sejam, as negativas, consistentes na isenção de coação e na garantia de certos direitos humanos básicos. A pergunta provém do fato de que o socialismo, graças a seu componente de planificação econômica e de centralização, seria incompatível com a liberdade econômica. Pois bem, Kelsen argumenta habilmente e diz que a liberdade econômica não pode ser considerada a chave para a existência da democracia, pois do contrário haveria que se concluir que já não existe democracia no século XX, tendo em vista que mesmo nos países capitalistas se impõem cada vez mais regulamentações jurídicas a aspectos da vida econômica: “O essencial para a democracia – afirma Kelsen – não é a liberdade econômica, mas sim a liberdade espiritual: a liberdade de exercício religioso, a liberdade científica e a liberdade de imprensa” (KELSEN, 1967b, p. 177). Dessa maneira, a questão crucial é se tais liberdades são ou não possíveis no socialismo. Kelsen faz uso de um argumento sumamente perspicaz, sustentando que a afirmação de Hayek, no sentido de que tais liberdades e a democracia só são possíveis em certo regime econômico – o capitalista – e nunca no socialismo, revelam um determinismo econômico muito próximo ao do marxismo, lançando mão do mesmo esquema de estrutura econômica e superestrutura político-jurídica característica dessa corrente. Ao contrário, Kelsen crê que não há motivos para identificar coletivismo e totalitarismo. Ele admite que em uma economia centralizada a satisfação das necessidades não é livre, dependendo dos fins e das decisões da autoridade. Mas ele também se pergunta se é possível sus- tentar que tal satisfação é livre nas sociedades capitalistas, reconhecendo que nelas exercem menos liberdades e satisfazem menos necessidades aqueles que não detêm meios econômicos abundantes, diferentemente do que ocorre com quem os possui. A conclusão a que chega Kelsen é que, não importa o que diga a experiência histórica, nenhum argumento teórico pode confirmar a incompatibilidade entre economia socialista e democracia com suas liberdades positivas e negativas. Kelsen também se dá ao trabalho de desacreditar as sucessivas tentativas de demonstrar que o direito de propriedade privada é essencial à democracia, dado que não haveria democracia onde vigorasse a propriedade coletiva ou centralizada (KELSEN, 1967b, p. 186 et seq .). Kelsen conclui de modo geral que “a democracia, enquanto sistema político, não está necessariamente ligada a determinado sistema econômico” (KELSEN, 1967b, p. 201).
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