Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019  107 respeito a esses valores, pois tal equivaleria a uma contradição em termos. “Democracia es discusión”, 139 ressalta Kelsen, “en una democracia, la vo- luntad de la comunidad es siempre creada a través de una discusión entre mayoría y minoría y de la libre consideración de los argumentos en pro y en contra de una regulación determinada”. Mas como seria possível uma verdadeira discussão, uma vez ausente a liberdade para o intercâmbio de argumentos e para a formação de opiniões? “Una democracia sin opinión pública es una contradicción en los términos”, e “la opinión pública sólo puede formarse allí donde se encuentran garantizadas las libertades inte- lectuales, la libertad de palabra, de prensa, y de religión”. 140 A partir de diversos argumentos conectados ao conceito operativo de democracia, Kelsen acaba por fundamentar a necessidade dos valores conceitualmente implicados em tal regime, oferecendo inclusive uma fun- damentação para os direitos humanos tão relativa quanto se queira, mas que ao menos ensina que não existe democracia sem a garantia desses direitos mais básicos. Um desses argumentos é o de que “el principio de mayorías responde aún en otro sentido a la idea de libertad política (no de la libertad natural), pues la mayoría presupone, por concepto, una minoría; y el derecho de aquélla implica la licitud de la existencia de ésta”. 141 Os direitos fundamentais adquirem sentido na democracia se considerados enquanto instrumentos imprescindíveis para a proteção das minorias, algo consubstancial ao conceito de democracia: “El imperio de la mayoría [...] distínguese de todo otro dominio en que no sólo presupone por esencia una oposición – la minoría –, sino que la reconoce políticamente, y la protege en los derechos fundamentales y de libertad, o en el principio de proporcionalidad”. 142 139 KELSEN, 1988b, p. 243. 140 KELSEN, 1979c, p. 341. 141 KELSEN, 1979c, p. 412. Sobre a proteção das minorias enquanto requisito consubstancial à democracia, cf. KEL- SEN, 1963, p. 53 e 1985, p. 255. Devemos levar em consideração que a justificativa última que Kelsen oferece para a proteção das minorias é mais funcional do que valorativa. Os valores ligados à proteção das minorias não são absolutos, mas instrumentais, servindo para a manutenção das regras do jogo, desde que se considere que as regras de seleção democrática de dirigentes são as mais aptas e operativas em uma sociedade avançada. Tal se nota, v.g ., quando Kelsen assinala que “uma ditadura da maioria sobre a minoria não é possível em longo prazo porque uma minoria condenada à total ausência de influência acabaria renunciando à participação na formação da vontade comum, tendo em vista que tal participação seria não apenas puramente formal, mas também danosa para essa minoria, com o que se privaria a maioria – que até conceitualmente não é possível sem a minoria – de seu caráter” (KELSEN, 1968g, p. 1766). Daí a importância do procedimento contraditório nos debates parlamentares – que funciona como meio de influência das minorias –, bem como a relevância que a ideia de compromisso entre a maioria e a minoria apresenta na democracia. 142 KELSEN, 1979c, p. 473.

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