Revista da EMERJ - V. 21 - N. 2 - Maio/Agosto - 2019
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 52-118, Maio-Agosto, 2019 106 Obtém-se o maior nível possível de autodeterminação mediante o princípio majoritário. Já que nascemos e vivemos em sociedade, move- mo-nos sempre sob o signo da organização social, ou seja, da restrição da liberdade. Desse modo, em termos práticos, o problema não é o de optar entre a ordem ou a liberdade absoluta, mas como modificar a ordem social respeitando a liberdade. Segundo Kelsen, tal se dá por meio da via da decisão majoritária. 134 A democracia é, antes de tudo, “una cuestión de procedimiento”. 135 A ideia de democracia não pode ser condicionada pela realização de certos conteúdos predeterminados nas normas, pois isso significaria subtrair tais conteúdos à decisão democrática. Daí que seja uma “corrupção” do termo identificar “democracia” com determinado conteúdo da ordem social. 136 Nem mesmo a ideia de bem comum pode representar esse papel, já que não é possível descrever objetivamente o que ela significa; sua fixação em conteúdos determinados, prévios à lei e dela condicionantes depende sempre de valores subjetivos. 137 Contudo, a vinculação entre procedimento democrático e conteú- dos axiológicos funciona na obra de Kelsen em outro nível: sem o respeito a certos princípios e valores a democracia não poderia operar, dado que perderia sua base e careceria dos elementos que a permitem funcionar com sentido. Se a democracia é um sistema de participação dos cidadãos nas decisões – ou pelo menos na seleção dos governantes –, ela não pode se dar sem uma série de liberdades, tais como as de expressão, de reunião, de opinião etc. 138 Não faz sentido defender a democracia sem propugnar o 134 KELSEN, 1988b, p. 239. 135 “Debe considerarse la participación en el gobierno, es decir, en la creación y en la aplicación de las normas generales e individuales del ordenamiento social que constituyen la comunidad, como la característica esencial de la democracia. El que esta participación sea directa o indirecta [...] no afecta a que la democracia sea en todo caso una cuestión de pro- cedimiento, de método específico de creación y aplicación del ordenamiento social que constituye la comunidad; éste es el criterio distintivo de ese sistema político al que se llama propiamente democracia. La democracia no es un contenido específico del ordenamiento social, salvo en la medida en que el procedimiento en cuestión es, él mismo, un contenido de este ordenamiento, es decir, un contenido regulado por este ordenamiento” (KELSEN, 1988b, p. 210). 136 KELSEN, 1963, p. 94. 137 KELSEN, 1979c, p. 209. 138 “Si definimos la democracia como un método político por medio del cual el ordenamiento social es creado y aplicado por quienes están sujetos a ese mismo ordenamiento, de forma que esté asegurada la libertad política en el sentido de autodeter- minación, entonces la democracia sirve necesariamente, siempre y en todo lugar, al ideal de la libertad política. Y si en nuestra definición incluimos la idea de que el ordenamiento social, creado de la forma indicada, debe, para ser democrático, garantizar algunas libertades intelectuales, como la libertad de conciencia, la libertad de prensa, etc., entonces la democracia necesaria- mente, siempre y en todo lugar, sirve también al ideal de la libertad intelectual. Si en un caso concreto el ordenamiento social no es creado de la forma indicada por la definición o no contiene garantías de libertad, no se trata de que la democracia no sirva a los ideales. Los ideales no son servidos porque la democracia ha sido abandonada” (KELSEN, 1988b, p. 211).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz