Revista da EMERJ - V. 21 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2019

157  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 155 - 176, Janeiro-Abril. 2019  Tendo clara natureza jurisdicional, 5 é retratada preponderantemen- te 6 como uma ação autônoma de conhecimento, 7 de competência originá- ria de tribunal. Corrobora o raciocínio o fato de a reclamação depender de provocação da parte ou do Ministério Público (art. 988, caput , CPC), formando uma nova relação processual em que será determinada a “ci- tação” do beneficiário da decisão impugnada para se defender (art. 989, III, CPC), 8 prosseguindo-se o feito até o provimento final que está apto a fazer coisa julgada. Diferencie-se que o instrumento ora analisado não constitui mero incidente processual, pois, como afirmado, guarda autonomia, além do que não depende necessariamente de um processo judicial em curso ( v.g. cabimento em face do desrespeito por ato administrativo de súmula vin- culante, conforme art. 103-A, § 3º, CRFB). 5 Nesse sentido: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo – processo de conhecimento, cautelar, execução e procedimentos especiais. 3 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2016, p. 846. Segundo o autor, a natureza juris- dicional da reclamação torna-a inconfundível com o instituto da reclamação correicional ou correição parcial , sendo esta última medida administrativa/disciplinar, com o objetivo de coibir a atividade tumultuária do juiz não sujeita a ataque recursal ( v.g. art. 219, Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro – CODJERJ: “São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou de órgão do Ministério Público, as omissões do juiz e os despachos irrecorrí- veis por ele proferidos, que importem em inversão da ordem legal do processo ou resultem de erro de ofício ou abuso de poder”). Nesse sentido: STJ – AgRg no AgRg no REsp 1.038.446/RJ, 1ª Turma, j. 20/05/2010. 6 Averigua-se intensa controvérsia sobre a definição da natureza jurídica da reclamação, como apurado na ementa do seguinte julgado de décadas atrás: “[...] A reclamação, qualquer que seja a qualificação que se lhe dê - Ação (Pontes de Miranda, 'Comentários ao Código de Processo Civil', tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonca Lima, 'O Poder Judiciário e a Nova Constituição', p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orozimbo Nonato, apud Cordeiro de Mello, ‘O processo no Supremo Tribunal Federal’, vol. 1/280), incidente processual (Moniz de Aragão, 'A Correição Parcial', p. 110, 1969), medida de Direito Pro- cessual Constitucional (Jose Frederico Marques, ‘Manual de Direito Processual Civil’, vol 3., 2. parte, p. 199, item n. 653, 9. ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (Min. Djaci Falcao, RTJ 112/518-522) - configura, modernamente, instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do STF (CF, art. 102, I, 'l') e do STJ (CF, art. 105, I, 'f'). [...]" (STF - Rcl 336/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19/12/1990). Em julgado posterior, a Corte Suprema balizou a reclamação como manifestação do direito de petição (art. 5 º , XXXIV, “a”, CRFB), verdadeira garantia política, permitindo a sua aplicação no âmbito dos Estados-membros (STF - ADI 2.212/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 02/10/2003). 7 Na narrativa de atribuição da natureza de ação propriamente dita à reclamação , já que por meio dela se tem “a pro- vocação da jurisdição e a formulação de pedido de tutela jurisdicional, além de conter em seu bojo uma lide a ser solvida, decorrente do conflito entre aqueles que persistem na invasão de competência ou no desrespeito das decisões do Tribunal e, por outro lado, aqueles que pretendem ver preservadas a competência e eficácia das decisões exaradas pela Corte”: MEIRELES, Hely Lopes; Wald, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais . 37 ed., ren., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 845. Expressando-a como a ção autônoma de impugnação de ato judicial, de natureza constitucional : LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional . São Paulo: RT, 2011, p. 171; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil : o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis , incidentes de competência originária de tribunal. 13 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 533. 8 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de (coord.). Novo código de processo civil: anotado e comparado . 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 592. Comparativamente, apura-se remoto julgado em que o STJ entendeu a reclamação como um incidente processual, tendo como um dos argumentos justamente “a inexistência de citação do reclamado para se defender” (STJ – Rcl 502/GO, 1 Seção, Rel. Adhemar Maciel, j. 14/10/1998), inclusive diante do silêncio da normatividade então em vigor (Lei nº 8.038/1990).

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