Revista da EMERJ - V. 21 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2019

156  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 155 - 176, Janeiro-Abril. 2019  dos tribunais de zelar pela uniformização da interpretação e aplicação do Direito. O presente estudo tem o intuito de realizar uma análise geral e contemporânea deste instituto processual, como previsto no CPC/2015, com atenção às balizas doutrinárias e jurisprudenciais que antecederam a modificação legislativa. Cabe frisar que não é objetivo deste texto investi- gar o cabimento da reclamação além dessas hipóteses legais, isentando-se, assim, do exame do peculiar alargamento de sua utilização para eliminar divergência entre as decisões do STJ e das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais. 3 1. Natureza jurídica. A reclamação constitui instrumento que atua em mantença do sis- tema hierárquico judicial, culminando eliminar cenários de insegurança jurídica, conforme suas estritas hipóteses de cabimento. Cuida-se, em vista disso, de garantia constitucional processual, de caráter explícito ou mesmo implícito. 4 Aires: Editorial Bibliografica Argentina, 1945. t. II. p. 104) e que têm como pressuposto lógico inafastável a força expan- siva ultra partes dos seus precedentes” (STF – Rcl 4.335/AC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 20/03/2014). 3 Como admitiu a Corte Suprema em julgado de sua lavra (STF – RE 571.572 ED/BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 26/08/2009), delineando a viabilidade de harmonização da interpretação da lei federal mediante o uso da recla- mação ao STJ contra decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais Estaduais (ampliação do art. 105, I, “f ”, CRFB), tendo em vista o descabimento de recurso especial na hipótese (art. 105, III, CRFB c/c verbete sumular nº 203, STJ), somada à inexistência de um órgão uniformizador de jurisprudência na esfera do referido microssistema – diversamente do que ocorre no âmbito federal (art. 14, Lei nº 10.259/2001) e fazendário (art. 18/19, Lei nº 12.153/2009). Tal decisão levou o STJ a editar a Resolução nº 12, de 14/12/2009, disciplinando o respectivo cabimento da reclamação à Corte Su- perior. Anos depois, tal ato normativo foi revogado pela Emenda Regimental nº 22, STJ, de 12/03/2016; experimentando a hipótese novos contornos perante a edição da Resolução nº 3, STJ/GP, de 07/04/2016, que impôs aos Tribunais de Justiça “a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do STJ, consolidada em incidente de assunção de compe- tência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes” (art. 1º). O sentido foi transferir ao tribunal inferior a atuação de zelar/controlar a observância destes precedentes do STJ, aliviando a carga de trabalho do tribunal superior, uma vez reconhecido o volumoso fluxo de reclamações envolvendo Juizados Especiais – e em consideração, ainda, aos arts. 927, III e IV; e 988/993, CPC. Em contrariedade à medida, vale mencionar, foi suscitado conflito de competência ao STF no âmbito fluminense (TJ-RJ – 0027643-69.2016.8.19. 0000, Seção Cível do Consumidor, j. 14/07/2016), que restou inadmitido, pelo fato da existência de hierarquia jurisdicional entre STJ e TJ, pelo primeiro revelar-se como instância de superposição quanto ao segundo (STF – CC 7.988/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20/06/2017), tendo sido determinada a baixa definitiva em 18/08/2017. 4 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil : o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis , incidentes de competência originária de tribunal. 13 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 530, apontam a relação da reclamação constitucional com a teoria dos poderes implícitos, no sentido de que “todos os tribunais teriam a reclamação à disposição para o resguardo de sua competência e a preservação da autoridade de suas decisões”; e de que tais “poderes implícitos” são “necessários ao exercício de seus poderes explícitos”. De toda sorte, a controvérsia sobre a exigência de reserva leal para o cabimento da reclamação para qualquer tribunal foi dissipada pelo legislador de 2015 (art. 988, parágrafo 1º, CPC), não havendo mais que se cogitar de competência implícita in casu .

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