Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018 95 mesa e as cadeiras reservadas aos integrantes especiais da comissão, como seu presidente e o relator. Muitas pessoas permaneciam de pé, nos corre- dores laterais e ao fundo, apertando-se entre jornalistas e câmeras. A sessão começou no início da tarde e o deputado Onyx Lorenzoni pediu licença para se ausentar. Ele ainda precisava fechar a redação de alguns pontos. Isso significava que, nos bastidores, teria que entrar em acordo com os líderes partidários quanto ao texto a ser colocado em votação. Sem essa negociação, a perspectiva de rejeição era real. O deputado passaria a tarde reunido com lideranças na residência oficial do presidente da Câmara, Ro- drigo Maia, na tentativa de costurar um acordo. A tarefa seria árdua. Desde que Onyx decidira retirar a 18ª Medida do pacote, o ambiente tinha se tor- nado ostensivamente hostil a ele e ao Ministério Público Federal. Muitos deputados passaram a adotar o discurso de que o MPF es- tava querendo se impor sobre a atividade legislativa e que o relator cedera, jogando contra os interesses da Casa. Segundo eles, o relatório estaria, ainda, dando muito poder ao Ministério Público, sem um necessário con- trapeso que ampliasse sua responsabilização. Como descobri, a arena política é determinada por narrativas. A verdade pouco importa. A meta é construir um bom discurso – ainda que baseado em premissas falsas – que legitime a defesa dos reais interesses de cada um dos atores. Embora o argumento dos superpoderes do Minis- tério Público parecesse fazer sentido para quem não conhecia os detalhes das propostas, tratava-se de uma narrativa falsa. Em seu texto original, as 10 Medidas não tinham uma vírgula sequer que representasse a defesa de interesses corporativos do Ministério Público. O que elas propunham era simplesmente fazer com que o sistema de Justiça passasse a funcio- nar fosse com quem fosse – inclusive com deputados, senadores, juízes e promotores. O engraçado é que esse discurso apareceu apenas nesse mo- mento histórico, quando corruptos e poderosos começaram a ser respon- sabilizados por suas condutas ilegais. Nunca ninguém disse que as penas altas do homicídio dão superpoderes ao órgão. Os crimes, as sanções e um processo efetivo de punição existem para proteger a vítima e a sociedade, não para fortalecer o MP. Dito de outro modo: a esperança da sociedade é que promoto- res, procuradores e juízes cheguem ao último andar da cadeia criminosa
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz