Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018 91 salvar a própria pele. Isso explica os acontecimentos que culminariam na- quela manhã depressiva. Nesse meio-tempo, a Lava Jato e as 10 Medidas convergiram e se cruzaram – passando pelo momento mais triste desde o início de sua his- tória. O dia 29 de novembro de 2016, segundo as palavras do deputado Onyx Lorenzoni, merecerá ser lembrado como uma “noite de fúria” do Parlamento, que corroeu ainda mais a legitimidade do Congresso Nacio- nal, ampliando o fosso que o separa da sociedade. Esse dia, para o bem da população e da confiança em nossas instituições, precisa ser superado. A primeira ofensiva legislativa (9 de novembro) Exatas três semanas antes, no dia 9 de novembro, começou a circu- lar o boato de que o projeto de lei 3636/2005, que tramitava na Câmara dos Deputados e regulava os acordos de leniência, receberia uma emenda a ser aprovada a toque de caixa, anistiando crimes da Lava Jato. Não de- morou muito para descobrirmos que o texto de fato existia e estava circu- lando na Câmara. O artigo 30, parágrafo único, era claro no seu objetivo: os governos federal, estaduais ou municipais poderiam fazer acordos com empresas que se envolveram com corrupção – ainda que relacionada ao próprio governo! – e esse acordo anistiaria os crimes de “pessoas físicas envolvidas na prática do ato”. Se esse trecho fosse aprovado, a Odebrecht poderia desistir de sua colaboração com o Ministério Público. Havia grande expectativa de que os executivos da empreiteira pudessem revelar milhares de crimes praticados por políticos. Agora, bastaria conseguir um acordo com o governo, pagar uma multa e entregar uma pequena parte dos fatos e todos os envolvidos – inclusive os políticos – poderiam ter seus crimes perdoados. Além disso, como uma nova lei benéfica aos réus se aplica em geral a fatos passados, centenas de réus implicados em crimes revelados por empresas poderiam ser anistiados. Essa era a solução mágica contra a punição de parlamentares corruptos. A emenda ao projeto era uma vergonha. Não surpreendia que não estivesse assinada. Ao fim, estava datilografado o nome do deputado André Moura (PSC-SE), líder do governo na Câmara, mas o documen- to não era oficial. O assessor parlamentar do Ministério Público Federal, José Arantes, me enviou um e-mail, preocupado com um requerimento de urgência para a apreciação desse projeto de lei. Uma vez aprovada a
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz