Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018 90 O valor das propinas pode ter chegado a 224 milhões de reais. Ao justificar a ordem de prisão de Cabral, o juiz Sergio Moro foi incisivo: “Essa necessidade [da prisão] faz-se ainda mais presente diante da notória situação de ruína das contas públicas do governo do Rio de Janei- ro. Constituiria afronta permitir que os investigados persistissem fruindo em liberdade do produto milionário de seus crimes, inclusive com aquisi- ção, mediante condutas de ocultação e dissimulação, de novo patrimônio, parte em bens de luxo, enquanto, por conta da gestão governamental apa- rentemente comprometida por corrupção e inépcia, impõe-se à população daquele estado tamanhos sacrifícios, com aumento de tributos, corte de salários e de investimentos públicos e sociais. Uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres.” A operação, um desdobramento da Lava Jato, ficou conhecida como Calicute, numa referência à cidade na costa oeste da Índia em que Pedro Álvares Cabral foi derrotado em 1500, quando tentava instalar ali um entreposto comercial. Na entrevista coletiva sobre essa fase, o procu- rador Athayde chamou atenção para o fato de que a investigação sobre Sérgio Cabral era “um clássico para mostrar os efeitos da corrupção”. A sensação, não só no Rio de Janeiro, mas no Brasil inteiro, era de catarse. Por outro lado, num circuito bem mais fechado, o Congresso Na- cional, o exemplo certamente acirrou os ânimos daqueles que, em razão das negociações com a Odebrecht, poderiam ser os próximos a serem submetidos aos rigores da lei. Certamente alguns políticos se imaginaram em Bangu, com a cabeça raspada. Eles fariam tudo para evitar que isso acontecesse. Criminosos só podem ser punidos por meio da lei. A atuação dos investigadores é regulada pela lei, as punições são estabelecidas pela lei e o processo que aplica sanções é disciplinado novamente por ela: a lei. O inu- sitado na Lava Jato é que entre os investigados estão políticos poderosos que têm grande influência sobre o conteúdo da lei. A tensão gerada por essa contradição viera à tona nas três semanas anteriores, em que movi- mentos para aprovar a anistia de crimes chegaram ao apogeu naquela ma- drugada, com a aprovação de um texto voltado a cercear a independência dos investigadores. Há um conflito entre o interesse público na punição de criminosos e o interesse particular de alguns legisladores influentes de
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