Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 59 - 69, Setembro-Dezembro. 2018 67 V, um decreto cominava a precipitação no Barathron para crimes políticos; é possível que, mais tarde, fossem lançados no abismo corpos de condena- dos já mortos. Detenhamo-nos sobre o apotympanismos, a correspondência punitiva da crucificação em Atenas. Aplicável inicialmente a ladrões ( klep- tai ) e traidores, depois a adúlteros não justiçados legitimamente (mas não existe no adultério algo do furto e da traição?) e também homicidas após abandonada a execução privada pelos parentes-acusadores, era uma pena infamante (às vezes complementada pela “túnica amarela”, ou antecedida por um cortejo pelas ruas durante o qual o padecente era achincalhado) e cruel. Fixado por braceletes de ferro no pescoço, nos tornozelos e pulsos, a um poste, o condenado era abandonado à própria sorte, exposto ao tempo, sedento e faminto, e aos insetos e animais que buscassem pasto em seu corpo indefeso. Impaciente com a resistência de alguns condenados, após a rendição da cidade de Samos, que sobreviviam dez dias atados ao tympanon , Péricles mandou concluir a execução a golpes de maça nas cabe- ças 51 . A similitude dessa pena com aquela aplicada aos legendários Tântalo, ladrão de ambrosia e néctar dos deuses, imobilizado num pântano repleto de árvores frutíferas sem conseguir beber a água ou colher as frutas, e Prometeu, ladrão de fogo, fixado a um rochedo onde um abutre todo dia lhe devora o fígado, entra pelos olhos 52 . Chegamos, por fim – deixando de lado formas específica ou eventualmente destinadas a escravos (como a roda ), estrangeiros e mulheres (para elas, forca e emparedamento ) – à cicuta , à “morte fria”, que de recurso insidioso para eliminar inimigos políticos converteu-se em método institucionalizado de execução da pena de morte alternativo à precipitação, que o desassombro (ou a inabilidade) proces- sual de Sócrates tornou famoso 53 . Superada a execução comunitária, de cariz religioso, por lapidação 54 , podemos encontrar no apotympanismos , na ingestão de cicuta e mesmo na precipitação (cujas raízes ordálicas abriam em tese a possibilidade acidental de sobrevivência, e o choque mortal era função da altura do precipício, do peso da vítima e do relevo sobre o qual caía ela) um curioso elemento comum: a cidade não desfere o golpe letal. É claro que existia “o homem da fossa”, é claro que alguém fixava, pelo pescoço e membros, o padecente ao ty mpanon , é claro que alguém entre- 51 Plutarco, Péricles, 28. 52 Sobre ela, páginas admiráveis de Eva Cantarella, op. cit., pp. 27 ss. 53 Cf. Stone, I.F., O Julgamento de Sócrates, trad. P.H. Britto, S. Paulo, 1988, ed. Cia das Letras; cf. ainda Cantarella, Eva, op. cit., pp. 103 ss. Sobre processo em geral, cf. Herrero, Juan Pablo, El Sistema Jurídico Ático Clásico , Madri, 2007, ed. Dykinson. 54 Comum em muitas passagens da antiguidade; às vezes, bastões substituem as pedras.
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