Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 59 - 69, Setembro-Dezembro. 2018 66 nela corresponde à medicina é a justiça” 43 . Numa cidade que é a suprema mestra dos cidadãos, a lei tem compromisso com a educação de todos; e se algum mal-educado infringi-la, uma pena medicinal dele se encarrega- rá, mesmo que o remédio para a doença seja a morte. Da obra tardia de Platão, As Leis, que descreve idealizadamente princípios e regras de várias legislações gregas, porém não corresponde concretamente a nenhuma delas, disse Barker: “a concepção do crime como uma doença e o emprego de me- táforas retiradas da arte da medicina estão presentes em todo o diálogo” 44 . Afirma Jaeger que “a finalidade da obra era edificar um formidável sistema de educação” 45 , e sem nenhuma dúvida, tal edificação influenciaria muito a reflexão penalística subsequente. Mesmo a pena que respondia a um delito já praticado se empostava preventivamente: “a lei o instruirá (o infrator) e absolutamente o compelirá no futuro a não mais ousar deliberadamente cometer tal ação” 46 . No plano político, o mesmo raciocínio terá a forma de uma regra de três: assim como o médico pode obrigar o enfermo, mesmo contra sua vontade, ao tratamento, assim também os governantes podem forçar os súditos a fazer aquilo que lhes é proveitoso. Sobre esse enunciado de Platão, baste-nos o comentário de Welzel: “pela primeira vez aparece aqui fundamentada filosoficamente a terrível tese de que a coação para ‘o bem’ é também boa moralmente e lícita” 47 . Em algum momento, atestado por uma arenga de Demóstenes 48 , a execução da pena passa à competência da cidade, culminando o multisse- cular período no qual era ela delegada aos familiares da vítima acusadores. Uma breve mirada nos mais importantes métodos de execução da pena capital poderá ajudar-nos a compreender a política criminal grega clássi- ca 49 . Descartemos desde logo a lapidação , cujas referências sugerem uma reação coletiva instintiva, carregada de sentido religioso, não porém uma pena institucionalizada por lei 50 . Sejamos cautelosos com a precipitação , que em seus primórdios parece ter constituído uma ordália, aplicável a delitos religiosos e ostentando caráter expiatório-sacrificial; na metade do século 43 Platão, Górgias, 464b. 44 Barker, Ernest, Teoria Política Grega, trad. S.F. Bath, Brasília, 1978, ed. UnB, p. 430. 45 Op. cit., p. 1299. 46 Platão, As Leis, IX. 47 Welzel, Hans, Introducción a la Filosofia del Derecho , trad. F.G. Vicén, Madri, 1971, ed. Aguilar, p. 19. 48 Apud Cantarella, Eva, op. cit., p. 66. 49 Cf. Gernet, Louis, Droit et institutions en Grèce antique , Paris, 1982, ed. Flammarion, pp. 175 ss. 50 Sobre isso, Eva Cantarella, op. cit., pp. 67 ss.
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