Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 59 - 69, Setembro-Dezembro. 2018 59 Entre a Expiação Religiosa e as Metáforas Medicinais/ Educativas: a Pena Grega Nilo Batista Ex-Professor Titular de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Se Ulpiano, para resolver um caso no qual se questionava se certa mulher divorciada estava grávida do marido, consideraria que o feto ( par- tus ), antes de dado à luz, constituía “parte da mulher ou de suas vísceras ( mulieris portio est vel viscerum )” 1 , Aristóteles, para legitimar as práticas pu- nitivas do pai sobre o filho (e do senhor sobre o escravo) afirmou que “os escravos de um homem, e seus filhos até uma certa idade (...) são por assim dizer partes deste homem” 2 . Isso ele afirmou na Ética; na Política, explicitou que o pai “manda (...) nos seus filhos como súditos” 3 . Enquanto a primeira comparação se formula sobre uma base natural, aquela da pro- veniência biológica do filho, a segunda pressupõe a polis , e seria incompre- ensível para quem ignorasse suas relações de poder: afinal, como é mesmo que o monarca manda no súdito? Em ambas, contudo, é muito clara a superioridade jurídica do pai sobre o filho, que o direito romano registraria em pormenores assustadores. Em toda a antiguidade, as práticas punitivas dispunham de três ce- nários: a casa, o templo e o palácio. Há uma passagem de Platão na qual esses três cenários são vistos como alvos (objetos) de ofensa: é quando, ao preconizar a pena capital para os “incuráveis”, menciona a reincidência em “falta gravíssima e infame contra os deuses, os pais ou o Estado ” 4 . Práticas 1 D. XXV, IV, 1, § 1º. 2 Ética a Nicomacos, L. V, nº 6 (1134b). 3 Política, III. 4 As Leis, IX (trad. E. Bini, Bauru, 1999, ed. Edipro, p. 359).
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