Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 24 - 50, Setembro-Dezembro. 2018 43 A dogmática jurídica vem a ser o estudo metódico e sistemá- tico das normas vigentes de um dado ordenamento, organizando-as segundo princípios e tendo em vista sua interpretação e aplicação 48 . Seu objeto é, pois, o Direito Positivo, sem pretensão de sobre ele fazer qualquer juízo de valor. Partindo da afirmação de Clève Clèmerson de que a dogmática ju- rídica é constituinte do saber jurídico instrumental e auxiliar da solução dos conflitos de interesses individuais e coletivos e que não há direito sem doutrina, sem dogmática, Lenio Streck sustenta que é razoável concluir que o discurso jurídico-dogmático instrumentalizador do Direito é impor- tante fator impeditivo, obstaculizante, do Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, da realização da função social do Direito, constituindo- -se numa espécie de censura significativa. 49 Por sua vez, Warat 50 ,desde o início de suas publicações, denuncia- va o fato de que as obviedades, as certezas e verdades transmitidas pela dogmática jurídica não passam de construções retórico-ideológicas, senão no todo, pelo menos em parte, na medida em que estas se constituem em um espaço simbólico de “retaliações discursivas”, “justificações ad hoc ” e “neossofismizações”. É através do discurso dogmático que a lei passa a ser vista como sendo uma lei em si, abstraída das condições que levaram a sua produção, como se a sua condição de lei fosse uma propriedade “natural”, fenôme- no que Lenio Streck chama de “ fetichização do discurso ”. 51 No contexto da dogmática jurídica, os fenômenos sociais que chegam ao Judi- ciário passam a ser analisados como meras abstrações jurídicas, e as pessoas, protagonistas do processo, são transformadas em autor e réu, reclamante e reclamado, e, não raras vezes, “suplicante e suplicado”, objetivações essas que, convenhamos, deveriam envergonhar (sobremodo) a todos nós. Isto quer dizer que a luta de classes não entra nos fóruns e nos tribunais, graças às barreiras criadas pelo discurso (censor) produzido pela dogmática jurídica dominante. 52 48 BETIOLI, Antonio Bento. Introdução do Direito: lições de propedêutica jurídica . São Paulo: Letras & Letras, 1995. Pp.371 49 STRECK, Lenio |Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. pp. 115-117. 50 WARAT, Luiz Alberto. Epistemologia e Direito . Rio Eldorado, 1977 51 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. p. 94. 52 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit. pp. 185-192.
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