Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 24 - 50, Setembro-Dezembro. 2018 42 práticas de enunciação e escritura do Direito. Em sua obra pioneira sobre a matéria alerta que, em nossa prática e mesmo na teoria, seja judicial ou acadêmica, somos fortemente influenciados por representações, imagens, preconceitos, crenças, ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éticas que acabam governando e disciplinando, ano- nimamente, nossas decisões. Chama a atenção para o fato de que, em nos- so discurso, nos utilizamos, sem perceber, de um máximo de convenções linguísticas que já encontrarmos prontas em nós mesmos, são visões, feti- ches, lembranças, ideias dispersas, neutralizações que beiram as fronteiras das palavras, de tal forma que sua significação não se extrai da consciência ou da realidade, mas sim da própria circulação discursiva. O sentido comum teórico “coisifica” o mundo e compensa as lacunas da ci- ência jurídica. Interioriza – ideologicamente – convenções linguísticas acerca do Direito e da Sociedade. Refere-se à produção, à circulação e à consuma- ção das verdades nas diversas práticas de enunciação e de escritura do Direi- to. Traduz-se em uma “para-linguagem”, situada depois dos significantes 45 . Na função interpretativa do juiz, esse saber difuso que consagra os interesses dominantes acaba sendo difundido pela via da argumentação e da persuasão. 46 Nessa linha, o juiz, ao justificar uma decisão tomada a priori, utiliza-se do senso comum para dar significado ou seja, para valorar o texto legal impreciso, ambíguo ou enigmático. O senso comum teóri- co dos juristas, ao abrigar pseudoverdades tidas por absolutas e, portan- to, inquestionáveis, sufoca as possibilidades interpretativas, delimitando previamente as dissidências, apenas admitindo o debate periférico, cujas respostas não ultrapassem o teto hermenêutico decorrendo dessas dis- torções o surgimento do decisionismo strictu sensu , do instrumentalismo no processo civil e do inquisitivismo no processo penal 47 4.b – dogmática jurídica É ainda de se indagar se para dar conta dos conflitos envolvendo direitos humanos e sociais basta à dogmática jurídica. E se ela não basta, o que fazer? 45 WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos . 2. Ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p.51. 46 WARAT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 57. 47 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. pp. 85-86.
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