Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018  341 to considerou desrespeitada a 4ª Emenda à Constituição e o debate se circunscreveu aos confins do direito de propriedade do réu. O GPS fora instalado em local e período que extrapolaram mandado judicial para o rastreamento, este equiparado à noção de “busca”. Desacompanhado de ordem judicial (uma vez expirado o mandado), a ilegitimidade do monito- ramento com GPS foi arguída com fundamento na defesa da propriedade privada. Curiosamente, mesmo o voto vencido, da Justice Sotomayor, ao afastar o precedente da ingerência em propriedade alheia ( trespass test ), sub- metendo-se exclusivamente ao precedente de Katz v. U.S. (n. 389 U.S., p. 347), que associa a tutela da 4ª emenda ao critério da ‘ reasonable expectation of privacy ’, embora louvável por se rebelar contra o trespass test naquela hi- pótese, não consegue se afastar da ótica proprietária no exame de direitos da personalidade. 50 Em outro julgado dos Estados Unidos, sobrepôs-se, mais uma vez, a tutela da personalidade, do corpo humano (e de seus fluidos) e o con- ceito de propriedade. A médica Sharon Irons engravidou após coletar, durante sexo oral, o sêmen do também médico Richard O. Phillips, seu namorado. A Corte de Apelação de Illinois (Chicago) aceitou a alegação da ré de que teria uma espécie de doação do material genético, acarretan- do “transferência absoluta e irrevogável do título de propriedade entre doador e doadora”. Por esse motivo, Phillips não teve reconhecido direito algum sobre a decisão acerca da concepção e do nascimento do filho. No entender da Corte, mesmo que houvesse um suposto “depósito”, as partes não teriam acordado quanto à necessidade de devolução do bem mediante solicitação. 51 Também na jurisprudência trabalhista brasileira, legitimou-se o acesso (e consequente controle) do empregador ao conteúdo do correio eletrônico de seu empregado com base na titularidade dominical. Segundo tal entendimento, “o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do di- reito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar a internet e sobre o próprio provedor”. A prescindir da solução concreta a ser dada para as diversas hipóteses de colisão de interesses acima aludi- 50 Veja-se o seguinte trecho citado no voto: “ Privacy is not a discrete commodity, possessed absolutely or not at all. Those who disclose certain facts to a bank or phone company for a limited business purpose need not assume that this information will be released to other persons for other purposes ”. 51 Esta e outras hipóteses, ilustrativas do apego do intérprete ao paradigma patrimonialista, são analisadas por Gustavo Tepedino, “A estranha revolta dos fatos contra o intérprete”, Editorial, in Revista trimestral de direito civil , v. 31, jul.-set./2007.

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