Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 337 Assim também se situa a hipótese em que um menino obteve in- denização por danos morais e estéticos, incluindo pensão vitalícia de 75% do salário mínimo vigente, por acidente causado no manuseio de aparelho ortodôntico extra bucal sem trava de segurança. Ao tentar retirar sozinho o aparelho, o menino, sob a guarda de seus pais, feriu-se gravemente, acar- retando a perda da visão de um dos olhos, condenando-se, com base em responsabilidade objetiva, os dentistas responsáveis pelo tratamento. 38 Muito próximo de tal postura encontra-se o quarto pecado capital, que se assemelha à inveja do intérprete em relação aos poderes eleitos. 39 Há aqui comprometimento da relação entre os Poderes, com déficit de democracia quando magistrados não eleitos pretendem se assenhorar de opções valorativas. Critica-se nessa direção, o que se chamou de “oba-o- ba constitucional”, caracterizado pela invocação vaga de princípios cujo conteúdo é livremente forjado pelo intérprete, que se recusa a admitir sua vinculação ao direito positivo e se mostra refratário a qualquer deferência ao legislador. 40 A tendência por vezes se traduz no que se poderia chamar de “ati- vismo louvável”, quando se altera o sentido do texto legal para garantir a tutela da pessoa humana à míngua de proteção estatal. Reconheceu-se, nessa direção, com o evidente propósito de tutelar os interesses existen- ciais de pessoa vulnerável – maior interdito –, a legitimidade de adoção post mortem em família anaparental. No caso, a União postulava a anulação da adoção com o intuito principal de sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado. A Corte posicionou-se no sentido de reco- nhecer a validade da adoção, sem embargo da literalidade do art. 42, § 2º, da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que dispõe: “Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados objetiva” - “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” A expressão “independentemente de culpa” contida nesse dispositivo indica que foi aqui consagrada uma cláusula geral de responsabilidade objetiva. Tão ampla e abrangente que, se interpretada literalmente, todos os que exercem alguma ativi- dade de risco passarão a responder objetivamente, até quando estivermos dirigindo nosso veículo particular e formos en- volvidos em um acidente”(STJ, Apel. Cív. 0175581-80.2007.8.19.0001 , Rel. Des. Ademir Paulo Pimentel, julg. 19.11.2008). 38 A notícia referente ao caso pode ser consultada em <http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119- -tribunal/6422-ortodontistas-sao-condenados-a-pagar-r-100-mil-a-menino-que-ficou-cego-durante-tratamento>. Acesso em 30.12.2015. 39 “ Pune este círculo a culpa traiçoeira – / O mestre diz – da inveja; o açoite aplica / O amor, que os rigores lhe aligeira / [...] Fio de ferro as pálpebras prendia / A todas, como o gavião selvage / Para domar-lhe a condição bravia ” (Purgatório, Canto XIII, versos 37-39 ss; 70-72). 40 Daniel Sarmento, “Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda”, in A Constitucionalização do Direito : fundamentos teóri- cos e aplicações específicas, coord. Cláudio Pereira de Souza Neto; Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 144.
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