Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 330 ordenamento. O objeto da interpretação são as disposições infraconstitu- cionais integradas visceralmente às normas constitucionais, sendo certo que cada decisão abrange a totalidade do ordenamento, complexo e unitário. Cada decisão judicial, nessa perspectiva, é um ordenamento singular extraí- do da mesma tábua axiológica. 19 Curiosamente, o último bastião em defesa da subsunção tem sido a possibilidade de excepcioná-la, como válvula de escape para o sistema. Admite-se, desse modo, em hipóteses específicas, que o magistrado possa valer-se de princípios, afastando a previsão regula- mentar, nos chamados casos difíceis – hard cases –, assim discricionariamente compreendidos certos casos sensíveis à sociedade, dignos de comoção po- pular, que justificariam, ao contrário de todas as outras causas julgadas pelo mesmo magistrado – e consideradas (a contrario sensu ) fáceis –, o abandono da subsunção e a adoção franca dos princípios constitucionais. A solução mostra-se arbitrária e injustificada. Os chamados casos difíceis são aqueles que, por sua suposta dificuldade, decorrente de colisão de direitos, autorizariam o juiz a afastar regra expressa, que lhe serviria comodamente de premissa maior, evitando a subsunção em favor da pon- deração. Todavia, cada caso concreto mostra-se sempre singular e difícil, devendo ser resolvido mediante a aplicação integral do ordenamento – insista-se: unitário, complexo, sistemático e coerente. 20 Mesmo quando, aparentemente, o magistrado aplica somente uma regra, de linguagem cla- ra e direta, vale-se, a rigor, de cada uma das normas que convivem unitaria- mente no ordenamento, reclamando coerência e inter-relação normativa; e especialmente dos princípios que lhe dão fundamento, respeitada a hie- rarquia constitucional. Por isso, e a despeito da dificuldade em estabelecer a fronteira entre casos difíceis e fáceis, não se pode considerar a pondera- ção como expediente excepcional, a ser utilizado em hipóteses extremas, quando não fosse possível a aplicação mecânica das regras, sob pena de se subverter a hierarquia do ordenamento. Tais conclusões estimulam a revisão do conceito de segurança jurí- dica. A subsunção propicia a falsa impressão de garantia de igualdade na aplicação da lei. Entretanto, não há respeito à isonomia quando o magis- trado deixa de perceber a singularidade de cada caso concreto e, median- 19 Assim, Pietro Perlingieri, Complessità e unitarietà dell’ordinamento giuridico vigente , in Rassegna di diritto civile , vol. 1/05, Edizioni Scientifiche Italiane , p. 192. No mesmo sentido, Gustavo Tepedino, “Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento”, in Temas de direito civil , t. 3, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 11. 20 Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico , op . cit ., pp. 34-35.
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