Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 328 Como se sabe, o magistrado tem o dever de julgar as controvérsias que lhe são submetidas, desde que no âmbito de sua competência e se encontrando presentes os pressupostos e as condições da ação. E deve fazê-lo com base no ordenamento: 14 unitário, complexo e sistemático. 15 Vale-se de princípios e valores que uniformizem o sentido das decisões, reconduzindo-as da fragmentação da casuística à unidade axiológica in- dispensável à compreensão do ordenamento como sistema. Para tanto, não pode levar em conta uma regra isoladamente considerada, ainda que apropriada para a hipótese, mas o conjunto das normas inserido no orde- namento. 16 Nada obstante, a persistência da subsunção deve-se à aparente neutralidade técnica de sua utilização, mediante operação lógica conhecida como silogismo, pela qual o processo interpretativo consistiria na identi- ficação da previsão legislativa geral e abstrata (chamada premissa maior) contendo a hipótese fática em questão (chamada de premissa menor). A etapa seguinte seria mecânica, mediante a aplicação da premissa maior à premissa menor, enquadrando esta àquela. 17 Entretanto, a despeito da racionalidade lógica do silogismo, há duas premissas equivocadas que autorizam a subsunção. A primeira delas é a separação entre o mundo abstrato das normas e o mundo real dos fatos no qual aquelas devem incidir, já que, a rigor, o direito se insere na sociedade e, por conseguinte, os textos legais e a realidade mutante se condicionam mutuamente no processo interpretativo. Em segundo lugar, a subsunção distingue artificialmente o momento da interpretação da norma abstrata 14 Norberto Bobbio associa o problema da completude do ordenamento jurídico à dinâmica dos sistemas em que vigo- rem duas regras: “1) o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem ao seu exame; 2) deve julgá-las com base em uma norma pertencente ao sistema. Entende-se que, se uma das duas regras perder o efeito, a completude deixará de ser considerada como um requisito do ordenamento. Podemos imaginar dois tipos de ordenamentos incom- pletos, caso falte a primeira ou a segunda regra. Num ordenamento em que faltasse a primeira regra, o juiz não teria que julgar todas as controvérsias que lhe fossem apresentadas: poderia pura e simplesmente repelir o caso como juridicamente irrelevante, com um juízo de non liquet (não convém). (...) Num ordenamento no qual faltasse a segunda regra, o juiz seria, sim, levado a julgar cada caso, mas não seria obrigado a julgá-lo baseado em uma norma do sistema” ( Teoria do ordenamento jurídico , Brasília, UnB, 1995, pp. 118-119). 15 Pietro Perlingieri observa a influência recíproca entre direito e realidade social e daí faz derivar os seguintes corolá- rios, caracterizadores do ordenamento jurídico: “a) historicidade da societas e historicidade do ius são um todo único; b) o ius coincide com a societas sem exaurir-se na pura normatividade; c) o ius , que justamente pode se definir totalidade da experiência jurídica, é, como qualquer totalidade, necessariamente complexidade; d) a complexidade do ius exige que a sua análise não perca a sua necessária unidade; e) tal unidade conceitual é síntese individual somente na efetividade da sua aplicação” ( O direito civil na legalidade constitucional , trad. Maria Cristina de Cicco, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 194). 16 Ao propósito, afirmou-se que “não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito no seu todo, marcado, na dicção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas” (Eros Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito , 5ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 101). 17 Para a descrição da subsunção em sua perspectiva clássica, v., por todos, Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico , 8 ª ed., Lisboa: Calouste Gulbekian, 2001, p. 94.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz