Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 327 me necessariamente feição procedimental e dinâmica na formulação, pelo magistrado, da norma interpretada, ou do ordenamento do caso concreto, promulgado em cada sentença. 2. Dificuldades entre a teoria e a prática. Os sete pecados capitais: a preguiça O apego à concepção cultural acima criticada, que antevê a realida- de jurídica em perspectiva binária (a partir da separação do fato social e do fato jurídico) associa-se à visão do direito como modelo teórico, racional e abstrato em face das turbulências da vida como ela é , com características fenomenológicas diversas da ciência jurídica, suscitando ao menos cinco graves problemas na teoria da interpretação: (i) o descompasso insolúvel entre teoria e prática, entre o direito e a vida, aquele correndo sempre para alcançar esta, algo como o inconsolável cachorro que se desespera em torno da própria cauda; (ii) o fortalecimento da lex mercatoria , que capta melhor essa realidade e acaba por impor a hegemonia econômica na vida social; (iii) a crise da legalidade e da democracia representativa diante da aparente insensibilidade do dado legislativo, que, por definição, não dá conta – e nunca dará conta – de compor os conflitos da realidade social; (iv) a mistificação do precedente jurisdicional, que significaria a feliz solução para problema anterior, a simplificar a vida da Justiça, demoni- zando-se os enunciados normativos por sua distância da vida real; (v) a dificuldade de aplicação da norma constitucional como o mais distante desses modelos normativos, já que desprovida da lógica racional-descritiva típica das regras jurídicas. Tais problemas sintetizam, em alguma medida, as dificuldades inter- postas entre a teoria (civilística) e a práxis (jurisprudencial), que se tradu- zem, de forma alegórica, naquilo que se poderia bem designar – tomando- se por empréstimo a teologia católica imortalizada nos versos de Dante Alighieri – os sete pecados capitais do intérprete (tanto na academia quan- to na magistratura). Em primeiro lugar, incorrendo no pecado da preguiça , tem-se o reiterado recurso ao silogismo na aplicação do direito, mediante a técnica da subsunção . 13 13 “ Aquele que a existência assim consuma, / Tal vestígio de si deixa na terra, / Como o fumo no ar e na água a espuma. / Ergue-te, pois! Torpor de ti desterra! / Recobra o esforço que os perigos vence! / Impere alma no corpo em que se encerra! ” (Inferno, Canto XXIV, versos 49-54) . “ Pressa; pressa! De tempo já sem perda! / Pouco zelo não haja! – outros clamaram – / Não refloresce a Graça n’alma lerda! (Purgatório, Canto XVIII, versos 103 -105 ) .
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