Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 326 atento à realidade social, com características fenomenológicas diversas da ciência jurídica anteriormente concebida em sua neutralidade conceitual. A perspectiva binária, separando realidade social e ciência jurídica, ignora que a atuação do direito depende visceralmente dos fatos, em recí- proco condicionamento, de modo que a conceituação analítica das diver- sas espécies de fatos (jurídicos) mostra-se indispensável para a definição da disciplina normativa correspondente. Fato social é o acontecimento que, submetido à incidência do direito, torna-se, tecnicamente, fato jurí- dico. Afirma-se, por isso mesmo, que um fato qualquer – pré-jurídico –, a partir do momento em que deixa de ser indiferente ao direito, adquire aptidão para gerar efeitos jurídicos. Nessa direção, se é verdade que o dado social – como elemento da realidade fática – não se confunde com o dado normativo – a norma jurídica –, parece arbitrário considerar alguns fatos simplesmente alheios ao direito, ou despidos de relevância ou pressupos- tos de eficácia, já que a experiência normativa alcança integralmente a vida social, mesmo os espaços de liberdade que o direito, valorando-os, preser- va deliberadamente contra qualquer tipo de regulamentação. Diante de tal circunstância, afirma-se que todo fato social interessa ao direito, já que potencialmente interfere na convivência social e, por- tanto, ingressa no espectro de incidência do ordenamento jurídico. Desse modo, considerando que os fatos sociais são plasmados pela ordem jurí- dica, que os valora em confronto com a tábua axiológica constitucional, não pode o intérprete furtar-se da análise fática que consistirá no suporte sobre o qual aplicará o ordenamento como um todo, em sua unidade e complexidade. Não havendo valores pré-jurídicos, imunes a qualquer filtro valorativo, caberá ao intérprete a árdua tarefa de encontrar, a partir da téc- nica da ponderação, o ordenamento do caso concreto. Não se trata, aqui, de ativismo judicial, senão de pura atividade hermenêutica, essencial ao adequado funcionado do sistema. A complexidade do ordenamento, em última análise, não decorre apenas de sua gênese – análise estrutural entre direito interno e externo e distinção cronológica e hierárquica da produção normativa – mas da tensão dialética representada por sua inserção na realidade social. A expe- riência vivida forja a norma, e a cultura – como complexo de experiências econômica, religiosa, política, tecnológica – condiciona internamente o sistema jurídico e, conseguintemente, a teoria da interpretação, que assu-
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