Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 325 Este estado de coisas, cujo itinerário não se pode aqui percorrer, vai se alterando na Europa desde o início do século XX, e no Brasil a partir dos anos 30, com a intervenção do Estado na economia, que resultaria no fenômeno conhecido como dirigismo contratual. O Direito Civil, assim como os outros ramos do chamado direito privado, assistiu a uma profun- da intervenção por parte do Estado, na tentativa de evitar que a exaspera- ção da ideologia individualista – ao invés de gerar o que se imaginara no século anterior, ou seja, a riqueza das nações e das pessoas – continuasse a acirrar as desigualdades, com a formação de novos miseráveis, tornando inviável até mesmo o regime de mercado, essencial ao capitalismo. A partir dessa intervenção do Estado e da configuração do dirigismo contratual, verificam-se mudanças profundas na técnica legislativa. O legislador dei- xa de simplesmente estabelecer as regras do jogo, passando a determinar metas econômicas, instrumentalizadas à consecução de finalidades sociais mediante políticas públicas pré-definidas. A funcionalização das situações jurídicas patrimoniais a valores não patrimoniais, atinentes à pessoa huma- na e à sua personalidade, torna-se, assim, postulado imperativo da ordem jurídica, introduzida pouco a pouco pela legislação especial e consagrada, no caso brasileiro, na esteira desse processo histórico, pela Constituição da República de 5 de outubro de 1988. A dignidade humana, alçada a fundamento da República no art. 1º, III, da Constituição, assume particular relevo deste processo como vetor interpretativo-integrativo de todo o ordenamento jurídico. Nessa direção, atribui-se cada vez mais aos princípios o papel de reunificação do direito civil a partir da releitura de tradicionais institutos à luz da tábua axiológica constitucional, atribuindo-se ao magistrado a missão de delimitar catego- rias e conceitos jurídicos indeterminados de modo a assegurar eficácia jurídica às cláusulas gerais positivadas pelo legislador. O direito civil como espaço de liberdade patrimonial garantido ao proprietário e ao contratante expande-se na promoção da liberdade substancial e da autonomia existen- cial na legalidade constitucional. 11 O modelo teórico, racional e abstrato, desvinculado da práxis, cede lugar ao pensamento tópico-sistemático, 12 11 Na palavra de Luiz Edson Fachin: “Da autonomia privada à liberdade substancial, das titularidades exclusivas aos deve- res extraproprietários, dos modelos excludentes ao valor jurídico da afetividade, são exemplos dessa passagem da estrutura para a função, e bem assim dos princípios gerais do Direito para os princípios constitucionais como normas vinculantes” (Direito Civil: sentidos, transformações e fim, Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 49). 12 Nessa perspectiva, Luiz Edson Fachin, op . cit ., p. 50.
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